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Não sabia ao certo a causa de tanta agitação no Fantasy, o clube noturno onde eu trabalhava desde que concluí o ensino médio, mas o movimento fora do comum era visível. Não que fosse parado nos dias normais, é claro. Era a maior casa noturna de shows da Califórnia e trabalhar lá era para poucos privilegiados. Nem todos nascem com o meu corpo e a minha competência, é claro. Isso sem falar no gingado e na paixão pela dança, o que ajudava a manter os clientes entretidos enquanto preparava os drinks com total maestria.De qualquer forma, não tinha porque reclamar: com certeza faturaria o bastante para uma semana só com as gorjetas de hoje. Poderia bancar as festas e a bebida suficiente para me manter distraída durantes esses dias que a Marissa, minha mãe, passaria fora viajando a trabalho.
- Fala aê, minha gata. – A voz grossa e familiar chegou aos meus ouvidos e me despertou daquele transe.
- Oi, Dan. O de sempre? - Disse entediada.
Normalmente seria mais calorosa com os clientes. A aparência do Dan, contudo, me deixava nauseada. Nunca fui com a cara dele, para ser sincera.
- Claro, linda. O de sempre daquele jeito que só você sabe fazer. – O ruivo piscou, tentando parecer sensual. Eca.
“Do jeito que só eu sei fazer”, pensei. Como se tivesse um grande mistério e exigisse muito cerébro colocar o whisky no copo e acrescentar duas pedras de gelo, afinal isso era tudo que ele exigia. Sem maiores dificuldades, derramei o conteúdo no copo, coloquei os cubinhos de água sólida e entreguei-lhe o copo.
- Obrigado, gata. E aí, vai fazer o quê hoje? – Pronto, começou a encheção de saco. Thanks, God.
- Dormir. Já estou até de pijama, como você pode perceber. - Não conseguia evitar ser grossa com ele. - Se não se importa, tenho que servir um pedido lá na discoteca. - Menti. - Paga ao Richard, okay?
Dito isso, peguei um copo já preparado de Cosmopolitan e atravessei o balcão em direção à boate. Definitivamente, trabalhar em uma casa noturna tinha seus aspectos positivos, a começar pela música alta que contagiava cada pedacinho do meu corpo. Oh, como era bom.
Tomei um gole da bebida, que, embora tivesse muito mais cara de New York do que da Califórnia, tanto agradava ao meu paladar. Desviei de algumas mãos mais ousadas e segui desviando pelo meio da multidão que dançava sem parar. Não matei minha mãe e também merecia um descanso, não? Cheguei ao meio da pista de dança e acenei para o Jake, o dono do estabelecimento, que retribuiu o comprimento com empolgação. Dois minutos depois e pude vê-lo vindo em minha direção.
- Ora, ora, ora. Não está em horário de trabalho, mocinha? – O moreno disse ao meu ouvido, afinal o som estava alto demais para permitir que ele transmitisse qualquer tipo de mensagem sonora sem maiores esforços.
- Ah, Jay, pára vai... Sua melhor e mais dedicada funcionária merece um descanso, não? – Sorri manhosa, dando uma piscadela. Não podia negar que aquele charme de homem bem resolvido que ele tinha me atraía, mas desde que começara a namorar com o Luke, os nossos encontros casuais haviam cessado. Sim, por mais incrível que pareça, eu sou fiel.
- Talvez nos tempos que você fazia hora extra... – Ele riu. – Já terminou com o pirralho, inclusive?
- Não. Acho que não tão cedo, na verdade. Comodismo, sabe? Mas vai saber. E, a propósito, isso de “hora extra” é chantagem. – Fiz o sinal de aspas com a mão livre. – Agora deixa eu dançar, vai. Juro que será só por cinco minutinhos.
- Até parece. Te conheço, Kait. Não consegue parar quando começa a dançar. Mas vai lá, vai. Vai curtir a vida e fugir dos clientes pervertidos por cinco minutos.
- É por isso que te adoro, chefinho. – Ironizei o “chefinho” e depositei um beijo em cada uma das suas bochechas. – Aah! Se importa em colocar isso no bar? – Virei o resto do Cosmopolitan de uma única vez, entreguei a taça vazia para ele e dei as costas. Sim, eu sempre fui cara de pau.
Fechei os olhos e me entreguei a música eletrônica. Senti o meu coração pulsar e o meu corpo vibrar no embalo da batida. Embora não fosse o meu ritmo predileto - sempre gostei dos mais coreografados e dos que dançavam em pares -, não resistia a qualquer tipo de música.
Senti o suor começar a escorrer pela minha face e por debaixo da roupa justa. O espartilho era um tanto quanto desconfortável, todavia nem a melhor funcionária pode driblar as normas da casa. Podia sentir os olhares masculinos me secando e podia ouvir alguns comentários maldosos das mulheres mais ciumentas, porém eu não ligava. Nunca me importei com a fama de puta. Para mim, puta é quem se vende e se tem uma coisa que eu nunca fiz, essa coisa foi me vender. Se eu ficava e agia assim era, simplesmente, porque eu gostava de ser como sou.
A música mudou e agora era um ritmo mais latino que tomava conta do salão. Me senti em uma daquelas festas mexicanas que tinha ido quando visitei Tihuana com o grupo da escola. Provavelmente teria me lembrado da coma alcoólica da Joanne ou do flagra da Stacy e do Robert juntos no banheiro, mas estava envolvida demais pelo swing para pensar em qualquer coisa que não estivesse relacionado a dança. A verdade era que eu me empolgava muito e era boa naquilo. Qualquer um podia perc...
Senti algo vibrar no bolso do jeans skinny e concluí corretamente que deveria ser o meu celular. Peguei o aparelho e olhei o visor tentando identificar o nome da pessoa que havia acabado de cortar o meu barato. Cara, como era difícil ler assim, no meio de uma pista de dança e com aquelas luzes que fazem você enxergar tudo em câmera lenta. Com (muita) dificuldade e após ter gasto alguns dos meus preciosos segundos de descanso, finalmente reconheci: Marissa, a minha mãe. Ela tinha uma bola de cristal que sempre informava a pior hora para ligar, só pode.
- Oi. – Berrei ao telefone já ciente de que ela não conseguiria ouvir devido ao barulho. Enquanto tentava escutar o que ela dizia do outro lado da linha, fui para um lugar mais tranqüilo e longe do centro da agitação.
- Kaitlin? Onde você está? – Ok, agora podia ouvi-la.
- Não me chama de Kaitlin, você sabe que não gosto. – Tomei cuidado para evitar a palavra “mãe” ou qualquer outra que pudesse me dedurar.
- Tanto faz. Onde você está?
- Numa festa no México.
- É O QUÊ? – ‘Taqueopariu. Como podia ser assim, tão lenta?
- Brincadeira, mã... – Parei antes de completar. – Marissa. Tô trabalhando no Fantasy. Onde mais poderia estar?
- Olha, eu estou no meio de uma reunião. Um funcionário de uma grande loja de departamento foi acusado por insultar uma cliente e ela está processando a loja. Vou ter que cuidar do caso até mais tarde e é realmente muito importan...
- Sim, e que com isso? – Interrompi. – Eu também tenho uma coisa muito importante para fazer chamada trabalho, ok? Tra-ba-lho. – Repeti bem lentamente.
- E você com isso? Bom, o Adam...
- Que Adam? - Voltei a interromper.
- Aquele seu primo que mora perto dos Grandes Lagos. Você não deve lembrar mais dele, na verdade. São primos distantes. Enfim, ele arranjou uma bolsa na Brown University e vai ficar um tempo na nossa casa até que ele consiga encontrar uma república ou qualquer outro tipo de instalação, além de resolver as burocracias com a matrícula e tudo o mais. Ele recebeu um comunicado e teve que antecipar o vôo. Deve estar chegando lá em casa daqui a uma ou duas horas. Quero que o receba bem, entendido? Muito bem. – Enfatizou o “muito”. – Caso o contrário, quem não ficará bem por uma semana será você, mocinha.
- É O QUÊ? – Involuntariamente repeti a sentença dita por minha mãe segundos antes. – Não são nem duas da manhã e você quer que eu simplesmente largue o clube no horário de maior movimento? Onde está o senso de responsabilidade que você vive me ensinando?
- Vivia ensinando. Você nunca fez questão de aprender. Sendo assim, se vira, filha. Confio em você, ok? Agora tenho que desligar. Vejo você amanhã.
Bati o telefone contrariada e sai resmungando. Refiz o caminho em direção ao bar e tentei pensar em algo que pudesse me livrar do primo cafona e de milésimo grau. Eca de novo. Talvez devesse matá-lo com um tiro ou com golpes de faca. Era uma ótima opção, acho, mas levaria muito tempo para que eu conseguisse esconder as provas do crime e eu acabaria perdendo o horário de pico, que ia das três às cinco. M-e-r-d-a. Teria que falar com o Jake e torcer para que ele me liberasse de mais uma. Vamos lá, Kait. Você consegue.
Procurei pelo Jay – só eu chamava o Jake assim – e, para a minha infelicidade e desespero, não consegui encontrá-lo no piso interior da boate. Pelo visto, teria que fazer mais uma visitinha ao seu escritório. É, teria. Pedi para que o Richard segurasse as pontas enquanto eu subiria rapidamente e saí. Todavia, não foi preciso que subisse de fato até o escritório para que eu o encontrasse. Acabei me batendo com o Jake ainda no meio das escadas: enquanto eu subia, ele vinha descendo.
- Cansou de dançar? – Ele riu daquele jeito rouco e sexy. Eram nessas horas que eu me orgulhava e estufava o peito para dizer: eu já peguei cara muito gato.
- Er, não exatamente. – Respirei fundo e soltei todo o ar de vez, iniciando. - Vou ser sincera contigo, tá? Sei o quanto você é um bom patrão e não vejo porque mentir.
- Fala, vai.
- Um primo caipira meu conseguiu uma bolsa na Brown e recebeu um comunicado e blábláblá. Só sei que teve que antecipar a viagem e deve tá chegando dentro de... – Olhei para o relógio de pulso tentando contabilizar o tempo que ainda me restava. – Uma hora. Tenho que estar lá para recebê-lo ou você lerá uma notícia sobre o meu assassinato amanhã mesmo. – Conclui.
- Assassinato? Duvido. - Ele disse.
- Ah, Jay, libera só mais essa, vai... Por favor. É questão de necessidade. – Trabalhei duro e acho que consegui alcançar a minha expressão mais angelical naquele momento de desespero extremo.
- Não é sua mãe que está te matando, amor. Quem tá me matando é você, com essa pirraça.
Antes mesmo que pudesse reagir ou digerir as suas palavras, senti um dos braços musculosos do Jake envolver a minha cintura e me empurrar contra a parede com força enquanto a sua mão livre alcançava a minha coxa e apertava-a com firmeza. Os seus lábios tocaram a lateral do meu pescoço e a sua respiração quente e descompassada me deixou arrepiada. Desviei o rosto, tentando fugir das suas carícias.
- Pára, vai. – Percebi que a minha voz estava mais baixa que o normal, quase que um sussurro. – Você sabe que eu não posso.
- Mas, até onde eu saiba, também não sei que você não quer. Nem você mesma sabe... – Ele insistiu, voltando a deslizar os lábios pelo meu pescoço.
Subitamente, a porta que dava acesso ao escritório se abriu e uma funcionária novata surgiu. Nos afastamos e, pela cara da novata, ela ainda estava surpresa por ter visto uma cena como aquela. Pobre coitada, ainda não estava acostumada com o darkside local - e eu a entendia. A fama de malvado e durão do Jake corria pelos quatro cantos do Fantasy e eram poucos os funcionários que caiam no seu gosto. Na verdade, até onde eu sabia, eu era a única que conseguira durar. As outras foram usadas, abusadas, esquecidas e só. Aproveitei a deixa e me desvencilhei dos seus braços.
- Obrigada, Jay. Você é um anjo, e eu prometo que irei trabalhar para recuperar as horas que perderei por hoje. Brigada mesmo. Dei as costas, passei pela funcionária ainda espantada e saí pela grande porta de madeira. Passei no bar, peguei a bolsa com as chaves e deixei o local.
[...]
Entrei no carro e liguei o rádio deixando que a música enchesse o veículo.
I was converted to the other side
From the day I'd gotten there
I met a girl who took me on a ride
I was young I had no cares
When I moved to California
California
(Lenny Kravitz – California)
Dei partida no automóvel e, enquanto batucava com a ponta dos dedos no volante, comecei a cantarolar com animação. Não que tivesse motivos para me empolgar naquele momento, mas era música. Fazer o que, né? Abri os vidros e senti o vento frio da noite bater em meu rosto e agitar os meus cabelos.
E foi assim, balançando a cabeça no ritmo da música, que eu esqueci – ainda que por poucos instantes – do meu problema cafona: um primo caipira perdido na cidade grande. Ew. Ainda bem que esqueci, inclusive. A idéia de dividir a casa com um sujeitinho brega poderia ter sido nojenta ao ponto de me fazer vomitar. Ew de novo.
• Fim do capítulo O1 • Bad news •
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