quinta-feira, 18 de junho de 2009

Capítulo 02 • California, here I come!

(Califórnia, aqui vou eu!)

Desembarquei do avião, peguei as bagagens na esteira a isso destinada e segui em direção ao saguão principal do Aeroporto Internacional de São Francisco, CA. Olhei para o relógio e vi que ainda faltava quase meia hora para as três da madrugada. Minha barriga agonizava de fome. É, talvez desse tempo para uma parada rápida para um lanche.
Procurei por alguma cafeteiria ou algum outro estabelecimento que pudesse me fornecer alguma bebida quente e um lanche fresco e de qualidade. Cara, como esse povo vive assim, hein? Tinha gente be-ben-do. Sim, tomando cerveja (daquelas geladas e tudo o mais) a essa hora da madrugada. Depois deveriam ficar todos gripados, aposto. Ainda mais que é vizinho ao México. Só deve rolar o povo com gripe suína. Eu bebo, é claro, mas sou extremamente contra os excessos. Onde já se viu? Prefiro exagerar em outras coisas, se é que me entende.
Foi vendo essa cena que, pela primeira vez, tomei real consciência do que estava fazendo. Onde eu estava com a cabeça quando me matriculei em uma universidade da Califórnia, cara? Aqui as pessoas vão às festas usando biquíni fio-dental. Definitivamente, esse lugar não era para mim. Eu iria sentir falta do friozinho da minha cidade pacata, beirando os Grandes Lagos. Merda, merda, merda. Deveria ter feito vestibular por lá, fato.
Até o ar daqui era diferente. Parecia carregado de poeira do deserto do Arizona, Texas ou de qualquer outro lugar quente e marrom o bastante para aparecer como cenário dos filmes de cowboy. Só sei que sempre que eu respirava sentia o meu pulmão arder, queimar. Isso sem falar nas pessoas. Yeap, as pessoas. Algo me dizia que essa seria a maior diferença – e eu não estava enganado.
Avistei um pequeno balcão e, ainda ao longe, pude ver uma placa luminosa anunciando o café e os bolos. É, era ali que eu iria comer. Arrastei as malas – eram duas, sendo que uma tinha mais livro e CD’s do que roupa – com dificuldade e finalmente cheguei até o Golden State’s Cafe. A propósito, que mania insuportável os californianos têm de usar esse codinome para cima e para baixo, mas enfim. Me apoiei no balcão e esperei por alguns instantes, até que uma balconista se inclinou – devo admitir que foi difícil desviar o olhar do grande decote que ela trajava nesse momento, uma vez que ainda me causava estranheza esse hábito de usar pouca roupa – e atendeu o meu pedido. Dentro de poucos minutos, já estava sentado em uma mesinha comendo uma generosa fatia de bolo e tomando uma xícara de café bem quente.
Três horas. Ok, estava dentro do tempo limite. Procurei alguma companhia de transporte e pedi a um táxi que me levasse até o bairro nobre de São Francisco, que era onde a tia Marissa morava. Qual era mesmo o nome do bairro? Tirei o papelzinho com o endereço do bolso e li baixinho: 

Santa Melanie
Howard Street
Condomínio vizinho ao Saint Paul’s Artigos de Luxo.
São Francisco – CA.



Que tipo de gente mora em condomínios fechados e em que as casas nem números tem? Que tipo de gente se isola entre muros tão altos, mas tão altos que não devem nem deixar que a luz do sol bata na janela pela manhã? Que tipo de gente não tem uma vida social normal? A minha tia rica, uou. Claro, havia esquecido dela. Não lembrava muito bem da tal Kaitlin, mas podia apostar que ela deveria ser uma daquelas patricinhas que vivem organizando aqueles desfiles beneficentes e lotando os guarda-roupas (digo, closet) com um monte de roupa comprada em Beverly Hills.
Informei o endereço ao motorista, um senhor gorducho e bronzeado que parecia ter por volta dos cinqüenta anos, e percebi que ele resmungou e pareceu ofendido com tantas explicações. Como eu poderia saber que aqui eles usam GPS até para se localizarem dentro da própria casa? Não estou acostumado com isso, dude. Costumava dar a volta em toda a cidade em menos de dez minutos sem sequer precisar perguntar nada a ninguém. Ô gentinha estranha!
Pedi para que o homem rabugento desligasse o ar condicionado e abaixei os vidros do veículo. Era um lugar estranho, sim, mas não podia negar que era muito bonito. As luzes em néon destacavam os anúncios e davam vida aos prédios e outdoors. Embora estivesse curioso para conhecer de perto a famosa Golden Gate, ela acabou ficando de fora do trajeto. Entretanto, passamos por um lugar que, segundo o motorista, chamava-se Lombard Street. Ca-ra-lho. Só na Califórnia mesmo para existir uma rua toda em zigue-zague cortando uma colina.
Distraído, não demorou muito para que chegássemos até o bairro, o Santa Melanie. O taxista parou o carro em frente a um grande portão de ferro cercado por muros enormes e por uma grande guarita de segurança. Paguei pela corrida, apanhei as minhas bagagens na mala do carro e segui arrastando-as em direção a um homem de óculos escuros e vestido em um terno preto impecável. Ele parecia mal humorado. Concluí que deveria ser um dos seguranças do condomínio de luxo.
- Bom dia, senhor. – Disse educadamente e um tanto quanto desconcertado. – Eu sou sobrinho da Marissa Gallagher. Poderia me dizer como chegar até a casa dela? Segundo o papel, fica nesse condomínio.
O segurança permaneceu em silêncio. Os óculos escuros não permitiam que eu visse para onde estava olhando, mas algo me dizia que ele estava me analisando – e, pelo silêncio, acho que ele tinha chegado à conclusão de que eu não era bom o bastante para entrar ali.
- Senhor? – Repeti com medo de levar um tiro no meio da cara. Vai saber.
- Que é? – Respondeu friamente. Educado o pessoal daqui, não?
- Marissa Gallagher, minha tia. Preciso chegar a casa dela. Poderia me ajudar?
- Não. Ordens são ordens. – Ele virou o pescoço para o lado oposto, a fim de sinalizar que não estava mais prestando atenção em mim e dar a conversa por encerrada. Insisti.
- Ordens para não ajudar? – Não queria bancar o engraçadinho, mas, de fato, não estava compreendo o porquê de tanta arrogância para fornecer uma única informação e abrir a droga do portão.
- Não. – O segurança disse rispidamente. – Ordens para só permitir visitas autorizadas. Nesse momento a casa está vazia e, ao menos que você queira que eu pergunte as paredes, não posso deixar você entrar. – Sorriu ironicamente para mim. Gay.
Desisti. Sabia que a tia estava mesmo fora de casa. Contudo, não era para a tal da Kaitlin estar a minha espera? Que tipo de garota sai por aí de madrugada? Louca, só pode.Coloquei as bagagens encostadas no muro, sentei sobre a mala que trazia apenas as minhas poucas roupas, esperei pela autorização para entrar e desejei. Sim, eu nunca desejei tanto voltar para Wahpeton, o meu verdadeiro lar.E foi assim que fiquei até as sete da manhã: sitting, waiting e wishing, igualzinho ao Jack Johnson. Peguei no sono ali mesmo.

Try to see my story from a different side
now I can remember­­
­why I need to run.

­Can't you look me screaming?­
­I'm miles away­
­tears are far away­­
and the night is blinding me side by side

Time has changed our lives
­I'm searching for the answers
­picking up the pieces of my live­
somewhere along the way.

­
I’m miles away.

Fim do capítulo 02 • California, here I come!

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