sexta-feira, 26 de junho de 2009

Capítulo 05 • Party.

• Comunicado •
Bom, primeiramente gostaria de agradecer aos comentários recebidos no último capítulo. A verdade é que só descobri sobre a existência dos mesmos hoje, quando, por acaso, visitei o blog. Pensei que tinha fracassado, já que o tópico lá na CH morreu. De qualquer forma, voltarei a postar aqui e aproveitarei a oportunidade para deixar os outros links onde a web pode ser encontrada.
A comunidade oficial já encontra-se atualizada com todos os capítulos postados até então. Para aqueles que se perderam ou querem ler mais do que os capítulos postados aqui, é a melhor opção. :D
Para quem tem mais paciência e está disposta a encarar os 3.500 posts, o tópico na Só Webs, onde a web foi postada originalmente, é outra opção.
Enfim, acho que é só. Obrigada a todos que estão lendo e opinando, ok? É isso que incentiva a continuar escrevendo e, sobretudo, aprimorando.
Enrolações à parte, vamos ao capítulo cinco! :D
Capítulo 05 • Party

(Festa)

- Sarah? – Esperei por algum sinal do outro lado da linha para que só então eu continuasse. – Cara, eu nunca precisei tanto de uma festa. Vai ter que ser aí, sério. Esse roceiro tá me tirando do sério. Tô quase matando esse idiota.
- Calma, Kait. O que ele fez? – Sarah indagou do outro lado da linha.
- Nasceu e isso basta. Velho, ele é o roceiro mais estúpido que eu já conheci. Como pode ser tão... baixo? Ele tá me chantageando, dude! “Só paz, Kaitlin”. – Disse tentando fazer uma voz fina e irritante.
- Ele sabe do lance do carro, né? Fudeu, velho. Você vai ter que ficar pianinho se não quiser perder toda a diversão por, sei lá, tipo assim, uns dois meses? Ainda mais se a sua mãe for do tipo tia coruja...
- Velho, eu vou matar esse cara, é sério. Enquanto eu planejo o assassinato, entretanto, vou chamar o pessoal e a gente passa em sua casa hoje, ok? Eu realmente preciso de um pouco de diversão antes de planejar o crime mais doloroso e perfeito do mundo. Eu vou pro livro dos recordes, Sarah. Você vai ver. Pode até começar a se orgulhar de mim.
- Parabéns, Kait. Eu já me orgulho de você, ok? Mas, apesar de todo esse orgulho, eu não sei se vai poder ser aq..
- Eu sei que você vai conseguir, gata. Tenho certeza absoluta de que conseguirá organizar absolutamente tudo para a nossa pequena reunião. – Interrompi antes que ela inventasse alguma desculpa que eu não pudesse burlar. – Vou chamar só a nossa galera e o Jake, que é para conseguir a bebida, ok? A gente se vê mais tarde.
- Só para conseguir bebida, né? - Ela riu e eu ignorei, desligando o telefone.
Imediatamente iniciei a minha maratona de ligações. Primeiro, o Jake. Ainda devia alguns agradecimentos por tudo que ele havia feito por mim na madrugada passada. Chamou uma, duas, três vezes. Em vão: a voz mecânica irritante insistia em dizer que o número estava fora de área ou desligado. Talvez uma mensagem resolvesse.


Acho que te devo um agradecimento, não? Por ontem a noite, quero dizer. De qualquer forma, o pessoal vai dar uma “festinha” lá na casa da Sarah (Main Street, n° 15. Segunda a direita depois do Zusak’s Market). Se quiser, aparece por lá, tá? Acho que o gerente não se importaria de ficar no lugar do chefe por algumas horinhas. K.


Missão devidamente cumprida. Vamos ao Luke. Mensagem? Não. Havia tempo que não nos falávamos e, tipo assim, namorados costumam se falar com mais freqüência. Uma ligação pareceria menos frio? Acho que sim.
- Fala, minha gata! – Ele respondeu entusiasmado após o telefone chamar duas vezes.
- Oi, Luke. E aí?
- Tudo bem, e com você? Sumiu esses dias...
- É, tive uns probleminhas com o carro...
- Problemas? O que aconteceu? – Ele parecia preocupado.
- Te conto hoje, lá na casa da Sarah, ok?
- Isso é um convite?
- Não. É uma ordem. – Ele riu, embora eu estivesse falando muito sério.
- Ok. Estarei lá.
- Se importa de passar para me pegar?
- Claro que não, amor. Passo aí sim. Até mais tarde, então?
- Claro.
- Amo você. - Antes de responder, porém, desliguei.
Continuei com os telefonemas até já ter chamado os essenciais para toda e qualquer festa. A Jennifer não poderia vir, mas, com exceção da ausência da mesma e da presença do Jake, a reuniãozinha seria como de costume: eu, Luke, a Sarah, Brian (namorado da Sarah) e a Megan. É, acho que daria para me divertir.
Percebi que a minha barriga roncava e, após notar que já passava da uma da tarde, resolvi me arrumar e descer para comer algo enquanto esperarava pelo Luke e pela sua bendita carona.
Tomei uma banho demorado e senti a água morna relaxar os meus músculos. Sequei os cabelos e vesti uma calça skinny, uma bota de camurça, uma baby-look pólo básica e um colete de cetim. Tirei a franja dos olhos e deixei que os meus cabelos lisos ficassem livres o bastante para que as pontas ondulassem levemente e valorizassem as mechas mais claras coloridas pelo sol.
Desci as escadas saltando os degraus de dois em dois e fui até a cozinha, disposta a preparar um sanduíche ou qualquer outra coisa industrializada que fosse prática e gostosa o bastante. Infelizmente, acabei encontrando com o Adam e quase perdi a fome.


Ouvi o barulho de passos e me virei para ver quem estava chegando. Era a Kaitlin. Pelo visto teria alguma festa para ir ou qualquer reunião que a tirasse de casa, pois havia lavado os cabelos e estava completamente arrumada. A roupa era simples, mas parecia cair como uma luva sobre o seu corpo bonito. A bota por cima do jeans justo, o colete por cima da camiseta básica. Definitivamente, ela sabia se vestir - ainda que sem tanta cara de Califórnia.
Acompanhei-a com o olhar e a vi ir direto ao armário, procurando por mantimentos que pudessem matar a sua fome. Industrializados, é claro. Manter o peso comendo tantas porcarias quanto ela comia era um milagre e tanto. Tentei me controlar, mas a minha língua não conseguiu se manter dentro da boca:
- Veio preparar a minha Nevada, priminha? – Ironizei jogando o pescoço para o lado e rindo torto. Irritá-la era o único jeito de ultrapassar aquela barreira que ela havia construído em volta de si mesma. - Demorou muito, inclusive. Da próxima vez vou querer mais agilidade, hein? Cadê o profissionalismo?
- Foda-se, Adam. – Uou, mais grossa do que eu esperava. Senti o olhar dela me fuzilar (o que estava se tornando cada vez mais comum) e continuei com o sorriso no rosto. Ela não estava acostumada a ser contrariada, a dividir. Podia perceber isso em seu olhar.
- Você fica mais bonita assim, irritada. – Estava sendo sincero e já não conseguia segurar o riso, o que a irritava ainda mais. Se é que isso é possível, claro.
Ia completar as provocações, mas a tia Marissa chegou na cozinha bem na hora.
- Rindo de alguma piada, querido? – Ela sorriu gentilmente, enquanto me olhava com ternura.
- Sim, sim, tia. A Kaitlin estava me contando sobre os costumes californianos. Ainda me parecem estranhos, na verdade. Festas de biquini, tantas discotecas e todos esses lances, sabe?
- Ah, que bom que você e a Kaitlin estão se dando bem, meu amor. – A loira disse e afagou os cabelos da filha.
- Estamos? – A morena indagou e pude ver que as maçãs do seu rosto continuavam vermelhas como no momento da minha pequena chantagem. Acho que ela ficava assim sempre que estava irritada. Sim, eu estava começando a reparar nos detalhes.
- Estão. - Marissa respondeu e aquilo não era, de forma alguma, uma pergunta. - Vai sair, Kaitlin?
– Sim. O Luke vem me pegar e a gente vai para a casa da Sarah. Não que eu te deva maiores explicações, é claro, mas é sempre bom saber e tudo o mais.
- Que bom! Vai ser ótimo para o Adam! Ele vai adorar conhecer gente nova. Fará bem para ele.
- Ele não vai. – Kaitlin respondeu ríspida.
- Mas é claro que vai, Kaitlin. E espero que não esteja esquecida do nosso combinado. O Adam vai ficar bem, muito bem – Marissa enfatizou o "muito bem". - Ou você esqueceu do nosso combinado? - Que combinado? Eu estava no meio de uma briga de família ou era impressão minha? Ela continuou. - Espero que não tenha se esquecido e, caso tenha, é bom que lembre-se agora mesmo. - Deu o assunto por encerrado e virou para mim, falando gentilmente. - Agora vá se arrumar, querido.
Sorri para a tia Marissa e deixei-a com a Kaitlin na cozinha. Não queria presenciar brigas que, muito provavelmente, estavam sendo provocadas pela minha presença. Segui para o quarto da piscina, tomei uma ducha rápida e me troquei. Uma camisa pólo, um tênis mais largado e um jeans surrado pareceriam bons o bastante para a minha cidade natal, mas agora eu estava na Califórnia. Será que isso era o bastante? Não sabia, porém não liguei. Iria assim, de qualquer forma. Ouvi um barulho de buzina que supus ser o do carro do tal do Luke e deixei o aposento.
Quando cheguei na sala, a Kaitlin já esperava por mim no hall de entrada. Um cara alto e loiro segurava a sua cintura e falava animadamente com a tia Marissa. Parecia um daqueles jogadores de pólo aquático populares das escolas americanas. Cheirava a arrogância e, se quer mesmo saber a minha opinião, parecia um idiota ao lado da Kaitlin. O sentimento, entretanto, não parecia recíproco. De qualquer forma, eram só opiniões baseadas em observações feitas às pressas.
- Claro, dona Marissa. Pode ter certeza quanto a isso. Ela está em boas mãos. - Ouvi-lo dizer e beijar a bochecha da namorada logo em seguida. Ensina a ele como tratar uma mulher, God.
- Adam! Finalmente você se aprontou! – Marissa disse com empolgação assim que adentrei o aposento. – Deixe-me lhe apresentar ao Luke, o namorado da Kaitlin!
- What’s up, man. – Eu disse sem graça oferecendo a mão para um cumprimento, que, diga-se de passagem, não foi bem retribuído.
- E aí, cara. – O loiro disse friamente e imediatamente voltou-se para a namorada. – E então, amor? Podemos ir?
- Aham. Tchau, Marissa. Devo chegar um pouco mais tarde. – Ela não parecia pedir, apenas comunicava. Pelo visto a relação entre mãe e filha é um tanto quanto aberta nessa casa. De fato, a Kaitlin não estava acostumada a ser contrariada. Isso iria mudar. Ah, iria.
- Tchau, tia. – Despedi-me dando um beijo em cada uma das suas bochechas e um abraço frouxo.Saímos pela porta de vidro e entramos no carro importado - será que as pessoas daqui desconhecem o que vem a ser um carro popular? – do Luke: a Kaitlin ocupou o banco do carona, ao lado do namorado, enquanto eu fiquei com o banco traseiro.
A viagem sucedeu-se tranqüila, embora as piadinhas extremamente sem graça e fúteis do Luke estivessem me tirando do sério – e eu não era o único. A Kait parecia completamente aérea ao assunto e praticamente não prestava atenção nas palavras que saiam da boca do loiro. Interessava-se pela conversa apenas em raros momentos, como naqueles em que ela colocava todo o seu estoque de cortadas e ironias em ação.
- Cara, quanto tempo não ouvia essa música. – Comentei ao ouvir a música que passava no rádio. Quebrar aquele silêncio constrangedor podia fazer bem, afinal.
- Nem sabia que tinha rádio na sua roça. – A Kaitlin comentou e virou o rosto para me encarar com um sorriso ridículo no rosto. Tá, não era ridículo e sim... sacana no sentido ruim da palavra, se é que me entende.
- Tem rádio sim, priminha. Só não tem Nevada e todos esses drinks, mas isso não é problema, né? Agora eu tenho você para preparar quantos eu quiser. – Dei uma piscadela e, inclinando o rosto para o lado, retribui o sorrisinho sacana e sarcástico. Um a um, Kait.
A morena voltou a se calar e só abriu a boca novamente quando o seu celular tocou.
- Oi, Megan! Já chegou? – Atendeu e, pelo seu tom de voz, parecia verdadeiramente empolgada.
A tal da Megan falou alguma coisa do outro lado da linha que fez com que a Kait arqueasse uma das sobrancelhas e só voltasse a falar depois de alguns instantes:
- Tá, tá, tá. Já entendi. Eu peço para o Luke passar ai para te pegar e você traz a sua prima ou seja lá o que for. Espero que ela não seja chata.
A Megan voltou a responder e dessa vez a resposta deve ter sido engraçada, pois fez com que Kaitlin risse antes de desligar de uma vez por todas o telefone.
- A Megan recebeu visita. A filha de uma amiga da mãe, prima, sei lá. Algo do gênero. Agora ela não tem como ir, porque o carro do pai, que iria dar carona a ela, está lotado com uns arquitetos, acho. – Kaitlin explicou e só então encarou o Luke. - Não entendi direito, mas será que dava para você pegá-la?
- Claro, amor. – Ele sorriu meio bobo. Poderia ser romântico e tudo o mais, mas aquilo era... estranho. Um cara daquele tamanho se derretendo todo daquele jeito.
- Não vai demorar, ok? Prometo. – Selou os lábios em um beijo rápido e insosso e voltou a olhar para frente.
Silêncio. Que tipo de casal se mantêm em silêncio por tanto tempo, hein? Quero dizer, tudo bem que eu estava atrapalhando o momento que poderia ser só deles dois - não que eu realmente me importasse por estar bancando o "primo que veio de longe só para assumir o lugar de inconveniente" -, mas isso não justificava. Quando a intimidade existe, a conversa rola e não há como fugir. Ou pelo menos não rola constrangimento no meio do silêncio, se é que me entende. De qualquer forma, esse blábláblá cheio de sentimentalidades nunca me interessou. Apenas observei porque... era meio difícil tirar os olhos dela - ou, dependendo do ângulo, das pernas dela.
O clima dentro do carro só se tornou menos frio com a chegada de uma loira dos olhos azuis, a Megan, e da sua “prima/amiga/ainda descobriria o quê”, uma garota de cabelos castanhos que se apresentou como Daily. Quando chegamos à casa, uma mansão amarela e que ficava em mais um desses condomínios de luxo extremamente arborizados, as duas já estavam prontas e uma única buzinada foi o suficiente para que ambas apressassem-se a aparecer na porta e a entrar no veículo.
- Esse é o Capiria, Meg. A Sarah deve ter comentado contigo... Ele veio da roça para passar uns tempos aqui em casa. – A Kaitlin me apresentou sem o menor vestígio de entusiasmo na voz.
- Não liguem para ela. Não sabe o que diz, tadinha. – Sorri tentando parecer o mais simpático possível. – Ela está irritada desde que eu disse que a Nevada dela parecia ter sido feita para menores de três anos, já que a concentração de álcool não embebedaria nem a um bebê. – Ri irônico ao perceber que a Kait me olhava furiosa. A Megan e a Daily riram. – De qualquer forma, eu sou o Adam. – Estendi a mão para a Megan, que havia se sentado na outra janela, e dei um beijo na bochecha da Daily, que estava sentada ao meu lado.
- Prazer, Adam. Pode me chamar de Daily. - A garota sorriu e beijou o canto da minha boca displicentemente. Uou.
Agradeci a gentileza e tive a impressão de ouvir um “eca” sair da boca da Kait. Impressão ou não, foi ignorado. Continuei conversando com a Daily, que se mostrou extremamente simpática e infinitas vezes mais receptiva do que a minha prima, até chegarmos ao prédio que supus ser o onde a Sarah morava. O porteiro, já familiarizado com a maioria das pessoas presentes, apenas pediu a minha identificação e a da Daily. Devidamente identificados, a permissão para entrar nos foi concedida e subimos para o apartamento.
A porta já estava aberta e não demorou muito para que eu reconhecesse o cara que estava sentado no sofá com um cigarro entre os dedos e um copo de whisky nas mãos: era o mesmo homem do conversível vermelho que havia deixado a Kaitlin em casa na madrugada passada, quando (mal) dormi sobre a mala.
- VADIIIAS DA MINHA VIDA! - Uma ruiva desvairada se jogou sobre os braços da Megan e da Kaitlin, me assustando com o seu berro desesperado. Tá pensando que cachaça é água?
- Saaarah, vadia! Caralho, quantas garrafas você já secou, hein? - Megan perguntou enquanto retribuia o abraço e levava a ruiva para o sofá. Kaitlin e Luke riram, mas eu e a Daily permanecemos imóveis.
- Cara, acho que bebi umas... - Abriu a mão e começou a contar os dedos. Sua fala embolava e seus movimentos pareciam meio lentos e descontrolados. - Uooooou! Não faço a mínima idéia. Só sei que esse estranho aí trouxe muita coisa boa. - Se jogou no sofá e riu loucamente. Definitivamente, ela havia perdido não só as contas, mas também a coordenação motora e... mental.
- Eu tentei detê-la, juro. Mas vocês sabem como ela é. Na verdade, acho que a única que se salva aqui é a Megan. A Kaitlin é outra que não aguenta ver álcool. - Um cara mais magro e alto que o Luke saiu da cozinha e cumprimentou as garotas com dois beijos estalados na bochecha e o Luke com uma batida seguida de um murrinho com as mãos.
- E aí, man? Tranquilo? Esse deve ser o tal do... - Ele virou-se para mim, mas foi interrompido antes que pudesse completar.
- Sim, é o Da Roça, Brian. - Sempre a Kaitlin. Eles riram. - E essa é a Daily, uma amiga da minha mãe que veio passar as férias aqui em casa. Costumávamos nos ver todos os anos, nas férias de verão. - Megan apressou-se em apresentar a garota que, como pude perceber, era uma amiga.
- Prazer, Daily. - O Brian cumprimentou a... como podemos chamar uma pessoa que não é nem loira nem morena? Castanha? Enfim, cumprimentou-a com um beijo na bochecha e reproduziu o cumprimento que antes tinha usado com o Luke ao falar comigo. - E ai? Tá gostando?
- Ainda não tive muito tempo para conhecer a cidade, na verdade. - Respondi.
- Eu também não, mas acho que já tenho motivos suficientes para gostar de São Francisco. - A Daily disse e olhou para mim com um sorrisinho nos lábios. Uou, round two.


O que leva uma garota a se rebaixar tanto? Sim, porque, até onde eu saiba, o nome disso é se rebaixar. Ainda mais quando se trata de um caipira. A Daily estava, simplesmente, se oferecendo descaradamente para o Da Roça. Oferecendo não. Melhor do que isso: se ofertando. Ofertando tipo macumba, sabe? Pois é, mas isso não é problema meu.
Entrei e fui falar com o Jake, que permanecera quieto durante as apresentações e cumprimentos. Fui seguida pelo Luke, Brian e Megan, deixando os outros penetras parados no hall de entrada. Demorou alguns segundos para que eles se tocassem que não receberiam um generoso “entrem, queridos” ou qualquer outra coisa do gênero e finalmente entrassem e se espalhassem pela casa.
- Jay. Então eu estava certa em pensar que o gerente não se importaria em mostrar serviço por algumas horas. – Sorri e inclinei o meu corpo para arrancar o cigarro de seus dedos e cumprimentá-lo com um beijo em cada bochecha sem que o mesmo tivesse que se levantar. Embora estivesse de costas, senti os olhares se voltarem para mim e um clima de tensão se espalhar pela casa. A verdade era que eles, principalmente o Luke, não conviviam bem com o fato de eu continuar sendo amiga do meu patrão/ex-rolo.
- Claro, Kait. Esse é o trabalho dele, afinal. – Ele sorriu sem maiores exageros ou proximidades. – A bebida tá no bar, a propósito. – Gesticulou em direção ao bar mogno que decorava o canto da sala. – Tomei a ousadia de guardá-la depois que a sua amiga Sarah começou a cantar e a dançar Britney Spears pela sala.
Assenti com a cabeça e ainda rindo com a imagem da Sah dançando “Baby one more time” me dirigi ao bar. Dei uma olhada nas garrafas e escolhi o drink que faria.
- E então? Alguém quer “After Sex”? – Chacoalhei as garrafas e apanhei os copos enquanto os outros concordavam com a cabeça e começavam a se esparramar pelos sofás e poltronas.
Misturava os drinks quando o Luke envolveu a minha cintura por trás em um abraço apertado e massageou os meus braços com a ponta dos dedos.
- Seu namorado também merece um pouquinho de atenção, né? – Perguntou baixinho ao meu ouvido, sem que ninguém pudesse ouvir.
- Claro. – Virei o rosto para o lado e selei os nossos lábios. - Lá pra cima? – Mordi os lábios sem desviar o olhar.
- Com certeza. – Ele assentiu e, dando alguns passos para a frente, fez com que eu andasse na direção que ele queria e deixasse um dos drinks inacabados. Ouvi a Megan chamar o meu nome e antes que ela pudesse terminar, previ qual seria o motivo da possível reclamação.
- Só tem um sem fazer, Meg. É só bater.

[...]

O 'click' emitido pela porta ao ser trancada indicou o começo dos beijos mais quentes. A sua boca tocou a minha e a sua língua percorreu com agilidade o contorno dos meus lábios, que não demoraram a se entreabrir, permitindo a passagem. As nossas línguas finalmente se encontraram e se cruzaram com um pouco de pressa. Havia tempo que não nos víamos, de fato.
Senti as suas mãos pressionarem a minha cintura, e os seus passos me fizeram recuar em direção a cama. Caí e poucos instantes depois o corpo dele misturava-se ao meu. Nossas bocas se separaram e percorri o seu pescoço com os lábios úmidos e ainda entreabertos, ocasionando alguns arrepios.
Ele me virou rapidamente e no instante seguinte era eu quem estava por cima. Apoiei o meu peso sobre os joelhos deixando as mãos livres para tirar o meu colete, que começava a grudar em meu corpo suado. Desabotoei os botões enquanto o Luke olhava fascinado e passeava delicadamente com as mãos pelas minhas pernas.
Livrei-me da peça e joguei-a para longe, voltando a unir os nossos corpos e retomando os beijos e carícias no pescoço do loiro.
- Precisava disso depois da madrugada estressante... – Pensei alto e os meus pensamentos acabaram se transformando em um sussurro ao pé do ouvido.
- O que aconteceu, afinal? – Ele perguntou, já um tanto quanto ofegante.
- Tanto faz. – Desconversei e continuei a beijá-lo.
- Eu quero saber, vai. Me preocupo com você. – Ele insistiu.
Desisti de continuar com aquilo e sai de cima dele, sentando-me na cama com as pernas dobradas. Respirei fundo, joguei a cabeça para trás e apoiei-a nas mãos logo em seguida. Por que ele sempre tinha de acabar com os momentos como aquele e priorizar o que não merece ser priorizado?
- E então? O que aconteceu? – Disse sentando-se ao meu lado e apoiando as costas na cabeceira da cama.
- Eu tava no Fantasy quando a minha mãe me ligou para avisar da chegada do caipira e para dizer que eu teria que estar em casa para liberar a sua entrada e tudo o mais. Tive que sair mais cedo do trabalho, tava rolando blitz, apreenderam o carro e o resto é história. – Resumi. É, em momentos como esse os detalhes somem.
- Apreenderam? – Ohh. Quanto espanto.
- Sim, apreenderam. – Respondi secamente.
- E como você conseguiu um táxi assim, de madrugada, bem no meio da 101?
- Não voltei para casa de táxi. Liguei para o Jake e ele foi me pegar. Passamos na delegacia e a essa hora o carro já deve ter sido entregue ao porteiro. Ou não. – Ele, que ouvia atentamente, pareceu se espantar.
- Ligou para... o Jake?
- Yep. J-a-k-e. – Soletrei bem lentamente, tentando fazê-lo entender.
- Você deve estar de brincadeira, só pode. – A voz dele começava a se alterar.
- Ahn? - Perguntei sem realmente entender o que estava acontecendo.
- Caralho, Kaitlin! – Ele levantou-se subitamente me puxando pelo braço e segurou firmemente o meu pulso. – Você trabalha com esse cara, convida esse cara para as NOSSAS festas e quando você deveria ligar para mim, que sou seu namorado, o primeiro número que passa pela sua cabeça é o DELE? Porra, você acha que eu sou o quê? O otário para ficar correndo atrás de você?
- Me larga, Luke. – Tentei soltar o meu braço.
- Me larga? Larga o Jake, Kaitlin! Porque, pelo visto, é impossível para você, né?
Ele estava fora de si. Os seus olhos tinham um brilho que nunca tinha visto antes e pareciam fora de foco. Começava a falar cada vez mais alto e a chacoalhar o meu corpo com força.
- ME SOLTA, LUKE! Você tá me machucando. – Aumentei o tom de voz tentando falar mais alto do que ele, que já se preparava para despejar mais verdades em minha cara.
Ouvi o barulho da maçaneta sendo forçada e um outro ‘click’ indicou que ela havia sido destrancada. A porta, então, se abriu.

Fim do capítulo 05 • Party

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Capítulo 04 • The deal

(O Acordo)

- Tem certeza de que não quer entrar? – Perguntei assim que o Jake parou o seu conversível em frente ao portão do condomínio onde eu morava.
- Não, Kait. Tô cansadão, e você também precisa descansar. A não ser que você tope que descansemos juntos. – Ele riu. Descarado, caso perdido.
De fato, eu estava super cansada. O dia já estava claro com um sol bonito brilhando do lado de fora do carro. Os primeiros funcionários do Saint Paul's Artigos de Luxo já cuidavam da vitrine e da manutenção da loja, deixando-a impecável como sempre.
- Esqueça, Jake. Não irá me convencer a ir para a cama com você assim. Tem que melhorar os argumentos, honey. Anyway, eu fico aqui mesmo, então. Poupar tempo às vezes é bom. – Conclui já me inclinando para beijar-lhe o rosto e para sair finalmente do veículo.
- Outras coisas, porém, pedem a maior duração possível... – Senti a sua mão segurar o meu pulso firmemente, me puxando para ele. – E a menor quantidade de roupa. – Completou, beijou o canto da minha boca e só então me soltou. – Bons sonhos, Kait.
Olhei-o com uma das sobrancelhas erguidas e sequer lembrei de agradecer. Acenei com a cabeça, abri a porta e saí em direção ao portão.
- Bom dia, Senhorita Kaitlin. – João, o segurança, me cumprimentou formalmente.
- Péssimo dia, João. Péssimo dia. Apreenderam o meu carro em uma blitz, acredita? – Respondi. Nunca fui do tipo que evitava ser vista falando com os empregados. Para ser sincera, freqüentava lugares tão esdrúxulos que não tinha nem porque evitar esse tipo de coisa. Além disso, odiava esse tipinho de gente que se acha superior só por ter mais dinheiro na conta bancária. - De qualquer forma, é provável que o automóvel seja trazido por um cara aí. Pede para colocar lá na garagem, tá? Deixa do lado de fora mesmo. Ah! E, pelo amor de tudo o que é mais sagrado, não comenta com ninguém a história da blitz, ok?
- Sim, senhorita. - Isso, João. Discreto como sempre. - Olha, aquele rapaz está procurando pela senhora Marissa desde às quatro horas da manhã. Pedi que aguardasse, pois não tinha autorização para deixá-lo entrar.
Olhei para trás e só então percebi as duas grandes malas que repousavam ao lado do muro. Um moreno de aproximadamente 18 anos estava vindo em minha direção. Ele tinha tudo para ser bonito, mas era... um caipira. Pela camisa pólo amarrotada e pelas olheiras no rosto podia prever que ele não tinha tido um sono confortável. Definitivamente não. Sorri por dentro.


  
”Não, Kait. Tô cansadão, e você também precisa descansar”, escutei uma voz grossa dizer. Se não tivesse ouvido o nome “Kait” diria que estava sonhando, mas eu sabia que aquilo era real. Pouco a pouco os meus olhos começaram a se abrir e pude ver uma imagem embaçada de um conversível vermelho se materializar na minha frente. Olhei através da janela e vi os cabelos escuros - ainda que levemente aloirados pelo sol - e lisos presos em um coque frouxo. A garota aparentava ter uns dezessete ou dezoito anos e, embora ainda não pudesse ver direito, parecia ter um corpo tão atraente quanto o rosto.
- A não ser que você tope que descansemos juntos. – O rapaz que a acompanhava falou baixo, mas ainda assim consegui ouvir. Cara, como ela era vulgar. Deveria ser daquele tipinho de garota popular que freqüenta tudo quanto é tipo de festa e faz filinhas de garotos para pegar um por um. Vai morrer cheia de sapinho na boca, certeza.
Por alguns instantes me perdi em meus pensamentos e não me lembrei de escutar o que eles disseram nesse meio tempo. Acabei sendo arrancado dos meus devaneios pela batida da porta do carro. Apenas observei atentamente e me calei. Não sabia o porquê, mas queria saber cada letra que ela tinha a falar naquele momento.
- Bom dia, senhorita Kaitlin. – O segurança enfezado cumprimentou-a educamante mantendo o tom de formalidade.
- Péssimo dia, João. – Hm, então o nome do sujeitinho era João. A propósito, como ela era insolente. – Apreenderam meu carro em uma blitz, acredita? – Hm, além de arrogante era irresponsável. Alta velocidade ou álcool? Apostava na segunda. Atentei. - De qualquer forma, é provável que o automóvel seja trazido por um cara aí. Pede para colocar lá na garagem, tá? Deixa do lado de fora mesmo. Ah! E, pelo amor de tudo o que é mais sagrado, não comenta com ninguém a história da blitz, ok?
Ouvia cada mínimo detalhe com o máximo de atenção e, quando o segurança gay abriu a boca, comecei a me aproximar. Não poderia ficar parado ali, não? Pois é.
- Sim, senhorita. Olha, aquele rapaz está procurando pela senhora Marissa desde às quatro horas da manhã. Pedi que aguardasse, pois não tinha autorização para deixá-lo entrar.
Ela se virou e pude ter três certezas: 1) estava certo quanto ao corpo ser tão atraente quanto o rosto; 2) estava ainda mais certo quanto ao jeito arrogante e metido; 3) ela me atraía. Me olhou de cima a baixo e vi um sorriso se formando no cantinho dos seus lábios. Ela parecia feliz com a minha cara acabada, quase que igual a de um zumbi - isso se o "quase" não fosse bondade da minha parte. Por que essa gentinha da cidade grande é assim, hein? Se acham superiores ou o quê? Stupid girl.
- Adam Rowan, prazer. – Estendi a mão e tentei ser educado. – Sou o sobrinho de terc...
- Eu sei quem você é. Infelizmente, que fique claro. - Ela disse antes mesmo que eu pudesse terminar. Isso que dá tentar ser educado na Califórnia.
– Ok, Kaitlin. Obrigado por deixar que eu me apresentasse.
– E me poupe com os seus cumprimentos antiquados. – Completou olhando para a minha mão e deixando-a estendida no ar. Vácuo, hoho.
- O prazer é todo meu, priminha. – Desisti de ser educado. Estava de favor sim, contudo não iria tolerar as patadas de qualquer pirralhinha estúpida.
Ela me fuzilou com o olhar e atravessou o grande portão de ferro. Segui-a. O caminho até a casa não era muito longo, mas levava o tempo suficiente para que eu pudesse notar o quanto as casas eram bonitas e o quanto poderia me divertir naquele lugar. É, talvez a Califórnia tivesse seu lado bom. Finalmente ela cruzou uma bifurcação e entrou em uma rua que só dava acesso a duas casas: uma amarela e uma outra de vidro, onde ela morava.


Vê-lo seguindo-me para cima e para baixo me irritava profundamente. Tá, tudo bem que não era sua culpa, mas ainda assim. Ele poderia usar um GPS ou pedir informação ao João e me deixar em paz – amém! Como isso não aconteceu, não vi outra solução a não ser seguir pelo caminho que costumava fazer de carro. Falando em carro, teria que pensar em uma desculpa que justificasse a sua ausência quando a minha mãe chegasse e perguntasse por ele.
Talvez ter forçado tanto o meu cérebro tenha feito com que eu gastasse uma quantidade enorme de energia, pois logo percebi o quanto precisava de uma boa noite (ou dia, tanto faz) de sono para recarregar o meu corpo. É, a desculpa poderia esperar, os problemas poderiam esperar. Precisava dormir. Abri a porta e sem dirigir uma palavra sequer ao caipira subi as escadas em direção ao meu quarto. Lembrei-me que ele também precisava dormir e, colocando o meu lado mais benevolente em ação, me virei para dizer:
- Segundo quarto à esquerda.
Entrei no quarto, troquei de roupa e dormi. Cama, doce cama.

[...]

Ouvi o toque irritante do celular fazer-se (muito) audível aos meus ouvidos. Merda. Olhei para o relógio, que ainda marcava onze horas e quarenta e sete minutos, o que significava que eu estava dormindo há menos de 6 horas e já tinha gente atrapalhando o meu precioso momento de descanso. Desisti de resmungar pelo quanto a vida era ingrata e fui atender de uma vez por todos o telefonema. Mal humorada, sequer olhei o visor.
- Fala. – Respondi grosseiramente.
- Affe, Kait. Que mau humor. – Ouvi a voz da Sarah, que parecia animada. Bom para ela. – E então? Quais os planos para o final de semana? A festinha aí ainda tá de pé?
- Nope. Fala com a galera que não vai rolar. – Eu disse enquanto esfregava os olhos com força e sentava na cama. Droga, havia me esquecido. Teria que dar um jeito de desmarcar a festa que aconteceria caso eu não tivesse gastado todo o meu dinheiro com uma droga de multa. Merda, merda, merda.
- AHN? COMO ASSIM?
- Blitz. Álcool. Direção. Não combinam, acreditem. Quase quinhentos dólares de multa e o carro ainda tá apreendido. Tô zerada.
- Mas... ah, cara, que porra! Não tô nem um pouco afim de ficar aqui sem fazer nada. Acho que tenho uns trocados. Vou falar com os caras e te ligo. Só um pouco de bebida e diversão não faz mal a ninguém.
- Ok. – Já planejava desligar o telefone quando lembrei-me de outro detalhe. – Aaah, Sarah! Não vai rolar de ser aqui em casa. Corre o risco da minha mãe voltar hoje pela tarde, acho.
- Caralho, Kait. Desde quando você é tão desorganizada assim, hein? Casa do Matt, então? Ou na minha?
- Sei lá. Na de quem estiver disposto a ceder um espaço com álcool o bastante.
- Formou.
- Só me liga para confirmar.
- Ok. Beijo, gata.
Desliguei o celular e joguei-o ao lado da cama. Não conseguiria voltar a dormir agora que já estava sentada. Resolvi tomar um banho – o que, devo admitir, não fazia há algum tempo – e trocar a roupa de dormir por alguma mais digna. Já devidamente vestida – tá, talvez não tão devidamente assim, tendo em vista que escolhi um short e uma blusa de alça que condiziam com o clima da Califórnia, ou seja: curtíssimos -, liguei o som e me entreguei a música. Precisava relaxar.


Poderia estar perfeitamente acomodado no meu quarto, que mais parecia um flat: um quarto e sala com cozinha americana, banheira e até mesmo um bar – sim, a birita deve ser o ponto fraco dos californianos. Como se não bastasse, as três paredes de vidro que se voltavam para o jardim me forneciam uma vista perfeita do mar e da piscina com borda infinita. Cara, poderia ser o paraíso, mas não era. A música alta começava a se espalhar por todo o cômodo.
Oh, era uma música desconhecida, mas extremamente agradável. Daria vontade de dançar em qualquer situação, exceto uma: essa. PQP! Eu estava tentando recuperar todo o sono perdido durante esse inferno de noite e aquela garota idiota resolve colocar uma música nas alturas? E nas alturas MESMO! Afinal eu não estava nem dentro da casa, uma vez que o quarto da piscina é separado do restante do imóvel. Ah, não. Atrapalhar o meu sono não. Era só o que me faltava.
Levantei contrariado e me dirigi ao interior da casa, onde ficava o quarto da Kait. Me guiei pelos meus leais ouvidos e não demorei para descobrir de onde estava vindo o som insuportavelmente alto. Bati uma, duas, três, quatro vezes. Surda. Bati pela quinta vez e resolvi acrescentar um reforço às batidas:
- KAITLIN! – Berrei a plenos pulmões.
Ouvi o barulho de passos e o som parou. Segundos depois e ela estava em frente a mim usando um short que mal cobria a sua bunda e uma blusinha que valorizava a sua cintura fina e os seus seios fartos. Involuntariamente, desci o olhar até as suas pernas despidas e deixei-o por lá.
- Dá para parar de olhar para as minhas pernas e me dizer que porra você tá fazendo aqui no meu quarto? – Ela perguntou grosseiramente, só para variar.
- Posso dizer o que me trouxe até aqui sim, mas vai ser mais difícil cumprir a parte do “parar de olhar”, afinal as suas pernas são mil vezes mais atrativas do que o seu rosto. Não que isso seja difícil, de qualquer forma. – Revidei e um sorriso cínico brotou nos meus lábios. Era bom que ela soubesse que ela não era a única que sabia ser grossa ali.
Antes que pudesse manter o joguinho, porém, percebi que ela preparava-se para bater a porta em minha cara e desisti, voltando a olhá-la nos olhos.
– Só quero paz. Será que dá para diminuir o volume? Se você não sabe, perdi a minha maravilhosa noite de sono e estou tentando recuperá-la.
- Diminuir o volume? – Ela virou-se e seguiu na direção do som, que ficava ao lado de um computador de tela de plasma decorado com várias fotos de casais dançando. Pelo menos para esse tipo de música ela tinha bom gosto. Prosseguiu. – Quer que eu diminua o volume para que você possa dormir melhor? Mas é claro... – Parou um pouco de falar e levou a sua mão direita ao encontro do botão do volume. – Que não. – Completou mais grossa do que nunca e girou o dispositivo no sentido horário, aumentando o som ao máximo. Como isso era possível, inclusive? Achei que já estava alto o suficiente para representar uma ameaça à humanidade. Campanha “Todos Contra a Kaitlin” já.
- SERÁ QUE DÁ PARA NÃO SER TÃO GROSSA? – Berrei tentando superar o volume da música. Ela me ignorou e começou a dançar, o que fazia muito bem.
A dança sempre exercera certo fascínio sobre mim. Desde pequeno gostava de assistir aos espetáculos e de dançar até sentir os músculos fadigarem. Gostava do contato, do olho no olho, da mão na cintura. Me fazia bem. Dançar desde sempre fora a minha paixão. Percebi que ela não iria se render e desisti.
Voltei para o quarto disposto a permanecer acordado até pensar em algum jeito de fazê-la comer na palma da minha mão e acabar aquela marra. Mal sabia eu que nem precisaria de tanto tempo assim. Vingança, doce vingança. Chantagem, (ainda mais) doce chantagem. Ela pararia por bem ou por mal.


Ouvi um barulho de motor e corri até a janela na esperança de que pudesse ser o tal cara que havia se encarregado de trazer o meu carro. Doce ilusão. Ainda de longe pude ver a Mercedes prata. Definitivamente, era a minha mãe. Droga, mil vezes droga. Ainda tinha que pensar em uma desculpa para justificar o sumiço do meu carro e pensar em um possível (e justificável) gasto extra para que ela pudesse liberar alguma grana, o que eu achava ainda mais difícil. Mais essa segunda parte não fazia tanta diferença. Uma festa a mais ou uma festa a menos nunca matou ninguém.
Desliguei o rádio – ela odeia música alta – e desci as escadas rapidamente. Cheguei bem a tempo de ver a porta de vidro dos fundos, que dava para o jardim e para a piscina, se abrir e o Adam aparecer e confirmar o que eu já suspeitava: eu não havia sido a única a notar o barulho do carro.
Ele já não estava com aquela cara de zumbi que levou vários socos e depois foi empacotado à vácuo. Pelo contrário: agora, devidamente arrumado e descansado, ele até que parecia gente. Tá, ele parecia gente bonita. Um cara bonito e gostoso, se quer saber. A camisa preta destacava a sua pele clara e corada, bem como os cabelos escuros e despenteados. Os olhos verdes tinham um brilho distante e pareciam, sei lá, profundos. Profundos e... hipnotizantes. Desviei o olhar, mas os meus olhos resolveram parar justamente nos braços fortes e definidos, que faziam as mangas da camisa ficarem mais justas naquela região do que no restante do corpo. Ca-ra-lho. Eu não estava realmente achando o caipira bonito, estava? É claro que não. Caipira. Bastou que eu lembrasse desse fato para que os seus músculos atrofiassem bem ali, diante dos meus olhos. Da roça.
- Mãe. Então você já chegou. – Falei apática enquanto andava na direção dela e depositava um beijo sem graça em sua bochecha.
- Quanta empolgação, meu Deus! Faço tanta falta assim, é? – Ela riu e abraçou-me com vontade. Senti a minha cabeça chacoalhar e os meus ossos doerem. Por mais que tentasse, não consegui sorrir.
- Não é isso. Só não tinha certeza de que chegar...
- Adam! Meu Deus, como você cresceu! – Ouvi-la falar e se dirigir ao local onde o Adam encontrava-se com toda a empolgação do mundo. Obrigada por me interromper e pagar pau para o da roça, mãe.
Como se não bastasse, resolveu piorar ainda mais a situação e voltou-se para mim:
– Ele tá uma gracinha, não tá, Kaitlin? Vocês nem devem se lembrar, mas ele veio para o seu aniversário de 4 aninhos! Vocês se grudaram e não se largaram mais. Diziam que eram namoradinhos. Uma gracinha!
- Não me faça perder o apetite, Marissa. – Minha voz acabou saindo mais ríspida do que planejava.
- Como a senhora tá, tia? Linda como sempre, é claro! – Da Roça disse gentilmente, abraçando-a com firmeza. Puxa-saco, eca.
- Tô ótima, meu lindo! E você? Está bem instalado, não é? Se estiver precisando de alguma coisa é só falar com a Kaitlin que ela providencia para você. Espero que esteja gostando da casa, querido!
- Claro, tia. A casa é linda. A única coisa que não me agradou muito foram os seguranças. – Ele disse e olhou diretamente para mim.
Involuntariamente ergui a minha cabeça e encarei-o. Ele olhava para mim e trazia no rosto um sorriso torto e... nojento. Definitivamente, aquele jeito irônico dele me matava. Fuzilei-o com o olhar e senti as minha bochechas arderem de raiva. Ele NÃO iria destruir os meus planos para o final de semana e prejudicar os meus próximos dias com um castigo idiota. Não mesmo.
- Mãe, um banco onde você tem conta pediu para que entrasse em contato o mais rápido possível. – Menti apenas para interromper. – O número tá em sua escrivaninha, lá no escritório. Acho que é sério.
- Obrigada, meu amor. – Marissa disse e finalmente se desvencilhou do abraço de séculos. – Vou tomar um banho e aproveito para ver, ok?
Assenti com a cabeça e esperei que ela subisse as escadas e a porta do seu quarto se fechasse. Furiosa, atravessei a sala e, parando bem em frente a ele, explodi:
- Você não vai ferrar com a minha vida, tá ouvindo? Não vai! Não é porque você é o sobrinho roceiro preferido da minha mãe que eu tenho que ficar puxando o seu saco e fazendo o que você quer. Você NÃO manda aqui, Adam. Esse aqui é o MEU lugar.
- Talvez esteja na hora de dividir, priminha. – Cruzou os braços em frente ao peito musculoso e se recostou na parede voltando a sorrir ironicamente.
Dava para ver através da sua expressão que ele só fazia aquilo para me irritar. E, infelizmente, ele estava conseguindo.
- O que você quer, hein? Na boa, o que você quer para me deixar em paz? – Respirei fundo, tentando me controlar e já me preparando para deixar os meus cinco dedos marcados em seu rosto branco em caso de alguma respostinha mal educada.
- O que eu quero? Paz, Kaitlin. Só paz. E um pouco de Nevada, se não se importa. A tia Marissa disse que você lida bem com as bebidas. – Piscou com um sorriso vitorioso e sarcástico no rosto. – Só não demora, tá?
Quem ele pensa que é? Bem, eu sabia bem que ele era: ele era uma nada e iria perceber isso em breve. Muito em breve. Alguém ia morrer. Ah, se ia. Pode comprar o caixão, Adam.

Fim do capítulo 04 • The deal

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Capítulo 03 • Hands up!

(Mãos ao alto!)

Segui pela rodovia 101, tamborilando ao volante e cantarolando alegremente a canção que tocava no rádio. ­­ ­­  

Hustlers grab your guns
Your shadow weighs a ton­
Driving down the 101­­

Olhei para o relógio. Chegaria a tempo, acho. De qualquer forma, esperar faz parte, principalmente para quem está acostumado a esperar a galinha botar um ovo para comer uma omelete. Qualé, ele nem deve saber o que é industrialização. Eu, entretanto, sabia e lidava muito bem com a tecnologia. Ei! O que era aquilo ali na frente? Uma aglomeração de carros? Nesse horário? Não, não poderia ser. Esse trecho da rodovia só engarrafa na hora do rush, entre as 18 e as 20 horas. Desacelerei e, com um pouco mais de precaução, continuei seguindo em frente lentamente. Só então pude notar o porquê do congestionamento: blitz ou, em outras palavras, o meu fim. Tá, sem hipérboles, Kaitlin. Pára de ser dramática, hm.
Não que eu não pudesse dirigir. Tinha todos os documentos em dias e todas as devidas autorizações em relação ao carro, mas... eu havia bebido. Oh, yeah. Por mais que aqueles copinhos não tivessem agido, de fato, no meu corpo já calejado, o bafômetro identificaria a quantidade de álcool e eu estaria ferrada. Se haviam prendido até a Paris Hilton, não era eu que iria escapar. O jeito era torcer para que os policiais não encrencassem ou, o que era mais improvável, para que o efeito da bebida já tivesse desaparecido. Cautela, Kait. Cautela.
Mantive o pé no acelerador e tratei de parecer o mais inofensiva possível, mas aquela roupa por si só já parecia me incriminar o bastante para me mandar direto para a cadeia. Anotação mental: lembrar de trocar de roupa quando sair do trabalho às três da manhã em situações como essa.
O carro da frente parou de vez e só então notei que um outro veículo mais adiante estava tendo a sua papelada verificada por um policial que parecia com uma versão negra do Vin Diesel.
Os veículos voltaram a acelerar, e eu pude sentir o meu coração disparar. A música já não conseguia mais me distrair a essa altura. Vi a Ranger da frente passar pelos guardas sem maiores transtornos e me tranqüilizei um pouco. Eles não iriam me parar. Espera aí. Por que eu realmente acreditava que meu bom Deus poderia me livrar de uma dessas? Nem praticante eu sou. Sim, ele mandou que eu encostasse o carro. Merda.
O policial durão veio em minha direção, mas foi uma mulher que acabou fazendo a abordagem.
- Boa noite, senhorita. – A policial me cumprimentou e, pelo seu olhar, pude notar que ela analisava minhas roupas. Seu nome, segundo o seu crachá, era Roberts. Tenente Roberts.
- Boa noite, senhora. - Sorri educadamente e fiz a expressão mais serena que poderia fazer em um momento como aquele. Sempre fui boa com interpretações. Na verdade, me chamavam de dissimulada de vez em quando.
- Documentos do veículo e carteira de motorista, por favor. - Ela pediu educadamente.
Ela ainda não tinha tocado na palavra “bafômetro” e, pelo visto, não pretendia tocar. A minha cara de santa merecia o Oscar de melhor atriz, eu sei. Eu sou demais, cara. Ah, sim, os documentos. Apoiei a mão no banco do carona e inclinei o meu corpo para que pudesse alcançar o porta-luvas do carro. Abri-o e, para a minha infelicidade, a garrafinha de vodca que eu trazia sempre comigo caiu. Ca-ce-te.
Apanhei os documentos e tentei esconder o recipiente metálico. Too late, já era tarde demais. Vi a tenente sinalizando para o policial durão e apontando para a própria boca. Ela estaria pedindo o etilômetro? Não demorou muito e as minhas suspeitas se confirmaram.
- Será que poderia assoprar aqui, mocinha? – Ouvi-la dizer e até desisti de terminar a busca pela carteira de motorista jogada pelo carro.
- Claro, senhora. – Cínica, eu sei.
Não tinha mais o que fazer, então assoprei. O aparelho fez alguns barulhinhos e logo um pequeno visor iluminou-se com um “2,4” em letras garrafais. A policial pareceu espantada. Oh, grande coisa.
- Sinto muito, senhorita. Teremos que apreender o veículo. – Ela completou.
- É O QUÊ? – Era incrível como essa frase estava sendo usada com frequência nos últimos instantes. Bad day, bad day, bad day. Ou night, tanto faz. – Não seria só pagamento de multa? Não bebi tanto assim, afinal.
- Não bebeu tanto? – Ela riu. Risadas irônicas me tiravam do sério. – Olha, mocinha, com 2,4 de álcool no sangue o organismo já apresenta sinais de instabilidade, diminuição da atenção e do reflexo, falta de coordenação muscular, vertigens, desequilíbrios e até mesmo distúrbios de sensação. Você sabe o que significa isso? – Antes que eu pudesse responder ela continuou. – Acho que não. Isso significa que a sua irresponsabilidade poderia tirar a vida de algum inocente. Fui clara?
Não iria respondê-la, não depois de tanta ignorância e de se achar a melhor do mundo. Tenentizinha idiota. Eca.
- As chaves e documentos, por favor. – Prosseguiu ignorando o meu silêncio. Quem cala consente, anyway. - O carro ficará detido até que pague a multa e esteja em condições de dirigi-lo. Agora, se me permite, voltarei ao trabalho. Não tenho tempo a perder. Pode entregar as coisas ao Sargento Wilson.
Merda. Entreguei os documentos e as chaves para o policial durão, o tal de Sargento Wilson, e saí. O que eu ia fazer, afinal? Já passavam das quatro horas da manhã e com certeza o caipira já deveria estar esperando por mim. Só sei que a minha intuição feminina dizia que alguém iria morrer - e esse alguém era eu.


Olhei impaciente para o relógio e vi que já passavam das quatro. Onde aquela garota estava, afinal? Tudo bem que ela não estivesse feliz com a notícia de um primo de milésimo grau completamente estranho morando em sua casa, mas não custava nada ela não julgar sem me conhecer. Quanto tempo ela ainda levaria para chegar? Será que ela era gata?
Sentado sobre a mala e recostado no muro frio, eu começava a sentir as minhas costas doerem e os meus pés agonizarem com as cãibras. Minhas pálpebras começavam a pesar, obrigando-me a fechar os olhos. Lutava para abri-los novamente, contudo, isso estava se tornando uma tarefa cada vez mais difícil.
Incontrolável, involuntário. Assim foi o sono que fez com que eu adormecesse ali mesmo.


Ótimo. Maravilhoso. Perfeito. Afinal, quais adjetivos são bons o bastante quando você pretende caracterizar o quão legal é estar sozinha em uma estrada, com o seu carro detido e com um primo retardado a te esperar? Tudo isso por causa de alguns copinhos. Tinha que tomar uma decisão. Peguei o celular dentro da bolsa e meus dedos discaram o número que já sabia de cor: o do Jake. Ele deveria estar saindo do Fantasy em breve e era caminho, uma vez que éramos quase vizinhos.
O Jake morava em um outro condomínio de luxo que ficava próximo ao meu. Assim como eu, nasceu e família rica e nunca precisou trabalhar muito para levar uma vida de luxos e excessos. Aos 22 concluiu a universidade de direito, profissão que, apesar de nunca ter exercido, foi e ainda é bastante útil para livrá-lo das encrencas que arrumava e continua arrumando com a casa de shows. A propósito, o Fantasy foi o presente de 23 anos dado pelo seu pai, Arnold Laker, que queria vê-lo tomar algum rumo na vida e diminuir os gastos com a farra. O conheci na inauguração do clube. Nos envolvemos e chegamos a ter um rolo mais sério, que acabou terminando alguns meses mais tarde. Terminando não, minto. Apenas deixou de ser sério e passou a ser esporádico. Mas, apesar do (pseudo) fim do (pseudo) namoro, ele me chamou para trabalhar lá. Disse que eu tinha carisma. Aham, sei o carisma. De qualquer forma, aceitei e não me arrependo. Noites divertidas, bebida de graça, salário e gorjetas no fim do mês e, principalmente, muita dança.
- Alô? Alô? – Ouvi a voz que eu tanto gostava falar do outro lado da linha e voltei a minha atenção para a ligação.
- Jake? Desculpa, não tinha ouvido chamar.
- Aconteceu alguma coisa, Kait? – Ele se preocupava comigo e dava para notar isso na sua voz. E eu amava, hoho.
- Gostaria poder dizer que não, mas aconteceu sim. Tá tendo blitz, os caras me pararam, o bafômetro indicou álcool no sangue e eles acharam que eu estava bêbada demais para dirigir. Apreenderam meu carro e só vão me liberar quando estiver sóbria e tiver pago a multa de... – Finalmente dei importância ao papel e verifiquei o valor. – Quatrocentos dólares. – É, nada de festa essa semana. – Enfim, pensei que você ficaria feliz em poder me pegar.
- Feliz em ter que ir apanhar uma menor de idade que teve o carro detido por dirigir alcoolizada? – Nós rimos. – Não mesmo. Mas eu vou te pegar sim, gata. Só que é provável que eu tenha que esperar uma hora antes de sair.
- Caralho, Jay. Daqui até lá eu já morri congelada aqui. Se for para fazer o favor, faça direito.
- Pode deixar que quando chegar aí eu te esquento, se o problema for esse. – Como era sem vergonha, God. – Preciso esperar, Kait. Você não é a única que andou bebendo e não adiantaria nada se eu também fosse pego na blitz.
- Assim que os caras vazarem eu te ligo, ok? – Disse esperançosa de uma resposta positiva.
- Beleza. E vê se não se mete em encrenca. Mais encrenca, quero dizer.
- Eu sei me cuidar, papai. – Ironizei o “papai”, embora soubesse que, para ele, aquilo parecia um tanto quanto pervertido.

Flashback

- Pirralha. – Ouvi-lo dizer bem baixinho com a boca colada ao meu ouvido. Ele adorava fazer aquilo. Sabia que eu odiava ser chamada assim, embora disfarçasse o desgosto muito bem.
- Até parece que você não gosta da pirralha aqui... – Sussurrei ao seu ouvido, fazendo-o se arrepiar. Escorreguei os lábios entreabertos pelo seu pescoço, aplicando leves chupões na área enquanto unia ainda mais os nossos corpos com a mão livre. A outra estava massageando a nuca do moreno. Voltei a subir os lábios e, ao alcançar a sua orelha, completei. – Tio Jay.
Senti o volume por debaixo da sua calça tornar-se mais acentuado e pressionar a parte logo abaixo do meu ventre. Fechei os olhos e cedi. 

Fim do flashback

- Beijo, filhinha. E cuidado para não ser vítima de incesto qualquer dia desses.
Embora ele estivesse longe, pude visualizar com clareza a imagem do seu rosto se formando a minha frente e um sorriso sacana brotando de seus lábios. Jay, Jay. O bom e velho Jay. Nunca mudou. Desliguei e, literalmente, esperei sentada pela minha salvação.                       

[...]

- Jay? – Esperei por qualquer barulho que comprovasse que estava sendo ouvida e continuei. – Os caras já saíram e... levaram o meu carro. Disseram que ele vai está disponível a partir das seis, que é quando o posto abre novamente.
- Mais dez minutos e eu chego aí. – O moreno respondeu. – Já tava ficando preocupado com você e resolvi sair mais cedo.
- Relaxa, Jay. Não vai acontecer nada, não. Pode ficar tranqüilo. Tô te esperando em um banco próximo a cabine telefônica, tá?
- Tá. Já tô chegando.
Desliguei e olhei para o relógio pela milésima vez. Passavam das cinco e meia da manhã. Devo admitir que uma parte do meu cérebro cruel ainda conseguia se alegrar ao imaginar o caipira em pé, com os pés formigando e atraindo os olhares dos que passavam e o julgavam como maluco. De-lí-cia. O lado mais sensato, porém, estava preocupado. Se minha mãe descobrisse, eu realmente estaria ferrada e, além disso, ainda teria que pegar o carro ou inventar uma desculpa boa o suficiente para justificar o seu sumiço antes que ela chegasse da tal reunião do trabalho na cidade vizinha.
Fui arrancada dos meus devaneios bruscamente pela buzina do conversível vermelho do Jake. Aleluia, aleluia. Levantei e mal podia sentir as minhas pernas. Há quanto tempo não ficava parada por tanto tempo? Nem podia me lembrar, mas sabia que a falta de costume havia tornado aquilo um tanto quando doloroso. “Toma, Kaitlin. É para pagar sua língua e seus pensamentos from hell”, ouvi meu subconsciente me dizer.
Abri a porta e me joguei no assento. Juro que nenhum banco de couro havia parecido tão confortável até então. Deixei que o peso da minha consciência empurrasse a minha cabeça para trás e fizesse-a recostar na poltrona macia. Estava exausta. Respirei fundo e finalmente ganhei forças para virar o rosto para o lado e agradecer.
- De nada, minha gata. Você sabe que eu tô a sua disposição. – Um sorriso maroto estampou a sua face e o seu tom de voz pareceu transformar-se em um quase sussurro. – Para absolutamente tudo.
Arqueei uma das sobrancelhas e ri um pouco mais alto do que a situação pedia. De fato, ele não mudava nunca.
- Tá bom, Jake. Já entendi as mensagens subliminares. Pode ficar tranqüilo quanto a isso. – Pisquei e só então prossegui. – Enquanto esse dia não chega, porém, será que você poderia fazer mais um favorzinho?
- Quem trabalha de graça é relóg...
- Pessoas caridosas trabalham de graça desde sempre, amor. Você não vai se importar, vai? Eu sei que não. Além disso, faltam menos de 20 minutos para as seis horas. É o tempo certinho de chegarmos lá, pegarmos o carro e voltar. – Sorri e beijei a lateral do seu rosto bonito. – Brigada, my little angel. Sabia que não iria se incomodar.
Conversando e rindo, seguimos até o posto policial onde o veículo estava apreendido. Ou pelo menos deveria estar.
- Bom dia... – Pausei o tempo necessário para ler o nome do policial no crachá de identificação. – Paulling. – Completei. – Meu carro foi apreendido na madrugada de hoje e eu realmente preciso dele.
- Desculpe, senhora, mas o tempo decorrido até que os veículos sejam trazidos para cá é de 24 horas. Lamento. – O sargento respondeu sem sequer tirar os olhos da papelada.
- Oh, Paulling. – Inclinei o corpo sobre a bancada, evidenciando o meu decote e finalmente chamando a sua atenção. – Mas eu realmente preciso dele, entende? Tem certeza de que não pode fazer absolutamente nada por mim? – Mordi o lábio inferior e fiz uma cara de preocupada. Eu estava flertando com um velho, eca. Onde tinha ido parar a minha dignidade?
- Er... – Ponto para mim. O velho havia ficado desconcertado. Agora sim ele poderia parar de olhar. Me concertei, voltando a me recompor. – Se a senhora pagar a multa, posso levá-la até o local onde os carros são levados diretamente. Não poderá pegá-lo agora, devido ao pouco tempo decorrido desde o momento em que foi pega bebendo, mas posso ajeitar as coisas para que levem o veículo até a senhora. Não é um procedimento típico, no entant...
- Aonde eu pago? – Interrompi-o. Bastava de joguinhos de sedução barata.
- Aqui mesmo. Deixa só eu pegar os papéis e os carimbos para emitir o recibo.
O policial de meia idade saiu e a sua voz estridente foi substituída pela do Jake murmurando em meu ouvido:
- Isso é golpe baixo, Kait. Ainda mais com um velhinho. Ele pode não agüentar, sabia? – Ele riu. - Eu não agüentaria no lugar dele.
- Vaso ruim não quebra. E eu me refiro a você. – Virei o pescoço e, após ficar frente a frente com ele, pisquei.
Não demorou muito para que Paulling voltasse trazendo toda a papelada necessária para a liberação do veículo, e passados dez minutos Jay e eu já estávamos de volta a rodovia 101, dirigindo em direção ao Santa Melanie, o bairro onde nós morávamos. O trânsito estava livre e o único contratempo que encontramos foi uma única sinaleira fechada já bem próxima à entrada do condomínio. Jake parou o carro e, vendo que ainda faltavam 90 segundos para que o cronômetro chegasse ao zero e o sinal finalmente ficasse verde, resolveu investir.
- Eu realmente sinto saudade de você, sabia? – Senti os seus olhos fixarem os meus e a sua mão sair discretamente do volante e chegar até a região da minha coxa. – Sinto falta de quando eu era mais do que um bom amigo, um quebra-galho ou patrão.
Não fazia o tipo de garota que ficava sem graça assim, fácil. Entretanto, se tivesse que ter corado em algum momento da minha vida, esse momento teria sido agora.
- Olha, Jay... – Apoiei a minha mão sobre a dele e, apertando-a carinhosamente, trouxe-a até os meus lábios e a beijei. – Você não é só isso, entende? Só que o destino fez com que você, nesse momento, não fosse mais. Consegue me entender?
A sinaleira abriu e, antes que ele pudesse emitir qualquer som ou resposta, o veículo do fundo buzinou, fazendo-o acelerar. Seguimos.

Fim do capítulo O3 • Hands up!

Capítulo 02 • California, here I come!

(Califórnia, aqui vou eu!)

Desembarquei do avião, peguei as bagagens na esteira a isso destinada e segui em direção ao saguão principal do Aeroporto Internacional de São Francisco, CA. Olhei para o relógio e vi que ainda faltava quase meia hora para as três da madrugada. Minha barriga agonizava de fome. É, talvez desse tempo para uma parada rápida para um lanche.
Procurei por alguma cafeteiria ou algum outro estabelecimento que pudesse me fornecer alguma bebida quente e um lanche fresco e de qualidade. Cara, como esse povo vive assim, hein? Tinha gente be-ben-do. Sim, tomando cerveja (daquelas geladas e tudo o mais) a essa hora da madrugada. Depois deveriam ficar todos gripados, aposto. Ainda mais que é vizinho ao México. Só deve rolar o povo com gripe suína. Eu bebo, é claro, mas sou extremamente contra os excessos. Onde já se viu? Prefiro exagerar em outras coisas, se é que me entende.
Foi vendo essa cena que, pela primeira vez, tomei real consciência do que estava fazendo. Onde eu estava com a cabeça quando me matriculei em uma universidade da Califórnia, cara? Aqui as pessoas vão às festas usando biquíni fio-dental. Definitivamente, esse lugar não era para mim. Eu iria sentir falta do friozinho da minha cidade pacata, beirando os Grandes Lagos. Merda, merda, merda. Deveria ter feito vestibular por lá, fato.
Até o ar daqui era diferente. Parecia carregado de poeira do deserto do Arizona, Texas ou de qualquer outro lugar quente e marrom o bastante para aparecer como cenário dos filmes de cowboy. Só sei que sempre que eu respirava sentia o meu pulmão arder, queimar. Isso sem falar nas pessoas. Yeap, as pessoas. Algo me dizia que essa seria a maior diferença – e eu não estava enganado.
Avistei um pequeno balcão e, ainda ao longe, pude ver uma placa luminosa anunciando o café e os bolos. É, era ali que eu iria comer. Arrastei as malas – eram duas, sendo que uma tinha mais livro e CD’s do que roupa – com dificuldade e finalmente cheguei até o Golden State’s Cafe. A propósito, que mania insuportável os californianos têm de usar esse codinome para cima e para baixo, mas enfim. Me apoiei no balcão e esperei por alguns instantes, até que uma balconista se inclinou – devo admitir que foi difícil desviar o olhar do grande decote que ela trajava nesse momento, uma vez que ainda me causava estranheza esse hábito de usar pouca roupa – e atendeu o meu pedido. Dentro de poucos minutos, já estava sentado em uma mesinha comendo uma generosa fatia de bolo e tomando uma xícara de café bem quente.
Três horas. Ok, estava dentro do tempo limite. Procurei alguma companhia de transporte e pedi a um táxi que me levasse até o bairro nobre de São Francisco, que era onde a tia Marissa morava. Qual era mesmo o nome do bairro? Tirei o papelzinho com o endereço do bolso e li baixinho: 

Santa Melanie
Howard Street
Condomínio vizinho ao Saint Paul’s Artigos de Luxo.
São Francisco – CA.



Que tipo de gente mora em condomínios fechados e em que as casas nem números tem? Que tipo de gente se isola entre muros tão altos, mas tão altos que não devem nem deixar que a luz do sol bata na janela pela manhã? Que tipo de gente não tem uma vida social normal? A minha tia rica, uou. Claro, havia esquecido dela. Não lembrava muito bem da tal Kaitlin, mas podia apostar que ela deveria ser uma daquelas patricinhas que vivem organizando aqueles desfiles beneficentes e lotando os guarda-roupas (digo, closet) com um monte de roupa comprada em Beverly Hills.
Informei o endereço ao motorista, um senhor gorducho e bronzeado que parecia ter por volta dos cinqüenta anos, e percebi que ele resmungou e pareceu ofendido com tantas explicações. Como eu poderia saber que aqui eles usam GPS até para se localizarem dentro da própria casa? Não estou acostumado com isso, dude. Costumava dar a volta em toda a cidade em menos de dez minutos sem sequer precisar perguntar nada a ninguém. Ô gentinha estranha!
Pedi para que o homem rabugento desligasse o ar condicionado e abaixei os vidros do veículo. Era um lugar estranho, sim, mas não podia negar que era muito bonito. As luzes em néon destacavam os anúncios e davam vida aos prédios e outdoors. Embora estivesse curioso para conhecer de perto a famosa Golden Gate, ela acabou ficando de fora do trajeto. Entretanto, passamos por um lugar que, segundo o motorista, chamava-se Lombard Street. Ca-ra-lho. Só na Califórnia mesmo para existir uma rua toda em zigue-zague cortando uma colina.
Distraído, não demorou muito para que chegássemos até o bairro, o Santa Melanie. O taxista parou o carro em frente a um grande portão de ferro cercado por muros enormes e por uma grande guarita de segurança. Paguei pela corrida, apanhei as minhas bagagens na mala do carro e segui arrastando-as em direção a um homem de óculos escuros e vestido em um terno preto impecável. Ele parecia mal humorado. Concluí que deveria ser um dos seguranças do condomínio de luxo.
- Bom dia, senhor. – Disse educadamente e um tanto quanto desconcertado. – Eu sou sobrinho da Marissa Gallagher. Poderia me dizer como chegar até a casa dela? Segundo o papel, fica nesse condomínio.
O segurança permaneceu em silêncio. Os óculos escuros não permitiam que eu visse para onde estava olhando, mas algo me dizia que ele estava me analisando – e, pelo silêncio, acho que ele tinha chegado à conclusão de que eu não era bom o bastante para entrar ali.
- Senhor? – Repeti com medo de levar um tiro no meio da cara. Vai saber.
- Que é? – Respondeu friamente. Educado o pessoal daqui, não?
- Marissa Gallagher, minha tia. Preciso chegar a casa dela. Poderia me ajudar?
- Não. Ordens são ordens. – Ele virou o pescoço para o lado oposto, a fim de sinalizar que não estava mais prestando atenção em mim e dar a conversa por encerrada. Insisti.
- Ordens para não ajudar? – Não queria bancar o engraçadinho, mas, de fato, não estava compreendo o porquê de tanta arrogância para fornecer uma única informação e abrir a droga do portão.
- Não. – O segurança disse rispidamente. – Ordens para só permitir visitas autorizadas. Nesse momento a casa está vazia e, ao menos que você queira que eu pergunte as paredes, não posso deixar você entrar. – Sorriu ironicamente para mim. Gay.
Desisti. Sabia que a tia estava mesmo fora de casa. Contudo, não era para a tal da Kaitlin estar a minha espera? Que tipo de garota sai por aí de madrugada? Louca, só pode.Coloquei as bagagens encostadas no muro, sentei sobre a mala que trazia apenas as minhas poucas roupas, esperei pela autorização para entrar e desejei. Sim, eu nunca desejei tanto voltar para Wahpeton, o meu verdadeiro lar.E foi assim que fiquei até as sete da manhã: sitting, waiting e wishing, igualzinho ao Jack Johnson. Peguei no sono ali mesmo.

Try to see my story from a different side
now I can remember­­
­why I need to run.

­Can't you look me screaming?­
­I'm miles away­
­tears are far away­­
and the night is blinding me side by side

Time has changed our lives
­I'm searching for the answers
­picking up the pieces of my live­
somewhere along the way.

­
I’m miles away.

Fim do capítulo 02 • California, here I come!

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Capitulo 01 • Bad news

(Más notícias)

Não sabia ao certo a causa de tanta agitação no Fantasy, o clube noturno onde eu trabalhava desde que concluí o ensino médio, mas o movimento fora do comum era visível. Não que fosse parado nos dias normais, é claro. Era a maior casa noturna de shows da Califórnia e trabalhar lá era para poucos privilegiados. Nem todos nascem com o meu corpo e a minha competência, é claro. Isso sem falar no gingado e na paixão pela dança, o que ajudava a manter os clientes entretidos enquanto preparava os drinks com total maestria.De qualquer forma, não tinha porque reclamar: com certeza faturaria o bastante para uma semana só com as gorjetas de hoje. Poderia bancar as festas e a bebida suficiente para me manter distraída durantes esses dias que a Marissa, minha mãe, passaria fora viajando a trabalho.
- Fala aê, minha gata. – A voz grossa e familiar chegou aos meus ouvidos e me despertou daquele transe.
- Oi, Dan. O de sempre? - Disse entediada.
Normalmente seria mais calorosa com os clientes. A aparência do Dan, contudo, me deixava nauseada. Nunca fui com a cara dele, para ser sincera.
- Claro, linda. O de sempre daquele jeito que só você sabe fazer. – O ruivo piscou, tentando parecer sensual. Eca.
“Do jeito que só eu sei fazer”, pensei. Como se tivesse um grande mistério e exigisse muito cerébro colocar o whisky no copo e acrescentar duas pedras de gelo, afinal isso era tudo que ele exigia. Sem maiores dificuldades, derramei o conteúdo no copo, coloquei os cubinhos de água sólida e entreguei-lhe o copo.
- Obrigado, gata. E aí, vai fazer o quê hoje? – Pronto, começou a encheção de saco. Thanks, God.
- Dormir. Já estou até de pijama, como você pode perceber. - Não conseguia evitar ser grossa com ele. - Se não se importa, tenho que servir um pedido lá na discoteca. - Menti. - Paga ao Richard, okay?
Dito isso, peguei um copo já preparado de Cosmopolitan e atravessei o balcão em direção à boate. Definitivamente, trabalhar em uma casa noturna tinha seus aspectos positivos, a começar pela música alta que contagiava cada pedacinho do meu corpo. Oh, como era bom.
Tomei um gole da bebida, que, embora tivesse muito mais cara de New York do que da Califórnia, tanto agradava ao meu paladar. Desviei de algumas mãos mais ousadas e segui desviando pelo meio da multidão que dançava sem parar. Não matei minha mãe e também merecia um descanso, não? Cheguei ao meio da pista de dança e acenei para o Jake, o dono do estabelecimento, que retribuiu o comprimento com empolgação. Dois minutos depois e pude vê-lo vindo em minha direção.
- Ora, ora, ora. Não está em horário de trabalho, mocinha? – O moreno disse ao meu ouvido, afinal o som estava alto demais para permitir que ele transmitisse qualquer tipo de mensagem sonora sem maiores esforços.
- Ah, Jay, pára vai... Sua melhor e mais dedicada funcionária merece um descanso, não? – Sorri manhosa, dando uma piscadela. Não podia negar que aquele charme de homem bem resolvido que ele tinha me atraía, mas desde que começara a namorar com o Luke, os nossos encontros casuais haviam cessado. Sim, por mais incrível que pareça, eu sou fiel.
- Talvez nos tempos que você fazia hora extra... – Ele riu. – Já terminou com o pirralho, inclusive?
- Não. Acho que não tão cedo, na verdade. Comodismo, sabe? Mas vai saber. E, a propósito, isso de “hora extra” é chantagem. – Fiz o sinal de aspas com a mão livre. – Agora deixa eu dançar, vai. Juro que será só por cinco minutinhos.
- Até parece. Te conheço, Kait. Não consegue parar quando começa a dançar. Mas vai lá, vai. Vai curtir a vida e fugir dos clientes pervertidos por cinco minutos.
- É por isso que te adoro, chefinho. – Ironizei o “chefinho” e depositei um beijo em cada uma das suas bochechas. – Aah! Se importa em colocar isso no bar? – Virei o resto do Cosmopolitan de uma única vez, entreguei a taça vazia para ele e dei as costas. Sim, eu sempre fui cara de pau.
Fechei os olhos e me entreguei a música eletrônica. Senti o meu coração pulsar e o meu corpo vibrar no embalo da batida. Embora não fosse o meu ritmo predileto - sempre gostei dos mais coreografados e dos que dançavam em pares -, não resistia a qualquer tipo de música.
Senti o suor começar a escorrer pela minha face e por debaixo da roupa justa. O espartilho era um tanto quanto desconfortável, todavia nem a melhor funcionária pode driblar as normas da casa. Podia sentir os olhares masculinos me secando e podia ouvir alguns comentários maldosos das mulheres mais ciumentas, porém eu não ligava. Nunca me importei com a fama de puta. Para mim, puta é quem se vende e se tem uma coisa que eu nunca fiz, essa coisa foi me vender. Se eu ficava e agia assim era, simplesmente, porque eu gostava de ser como sou.
A música mudou e agora era um ritmo mais latino que tomava conta do salão. Me senti em uma daquelas festas mexicanas que tinha ido quando visitei Tihuana com o grupo da escola. Provavelmente teria me lembrado da coma alcoólica da Joanne ou do flagra da Stacy e do Robert juntos no banheiro, mas estava envolvida demais pelo swing para pensar em qualquer coisa que não estivesse relacionado a dança. A verdade era que eu me empolgava muito e era boa naquilo. Qualquer um podia perc...
Senti algo vibrar no bolso do jeans skinny e concluí corretamente que deveria ser o meu celular. Peguei o aparelho e olhei o visor tentando identificar o nome da pessoa que havia acabado de cortar o meu barato. Cara, como era difícil ler assim, no meio de uma pista de dança e com aquelas luzes que fazem você enxergar tudo em câmera lenta. Com (muita) dificuldade e após ter gasto alguns dos meus preciosos segundos de descanso, finalmente reconheci: Marissa, a minha mãe. Ela tinha uma bola de cristal que sempre informava a pior hora para ligar, só pode.
- Oi. – Berrei ao telefone já ciente de que ela não conseguiria ouvir devido ao barulho. Enquanto tentava escutar o que ela dizia do outro lado da linha, fui para um lugar mais tranqüilo e longe do centro da agitação.
- Kaitlin? Onde você está? – Ok, agora podia ouvi-la.
- Não me chama de Kaitlin, você sabe que não gosto. – Tomei cuidado para evitar a palavra “mãe” ou qualquer outra que pudesse me dedurar.
- Tanto faz. Onde você está?
- Numa festa no México.
- É O QUÊ? – ‘Taqueopariu. Como podia ser assim, tão lenta?
- Brincadeira, mã... – Parei antes de completar. – Marissa. Tô trabalhando no Fantasy. Onde mais poderia estar?
- Olha, eu estou no meio de uma reunião. Um funcionário de uma grande loja de departamento foi acusado por insultar uma cliente e ela está processando a loja. Vou ter que cuidar do caso até mais tarde e é realmente muito importan...
- Sim, e que com isso? – Interrompi. – Eu também tenho uma coisa muito importante para fazer chamada trabalho, ok? Tra-ba-lho. – Repeti bem lentamente.
- E você com isso? Bom, o Adam...
- Que Adam? - Voltei a interromper.
- Aquele seu primo que mora perto dos Grandes Lagos. Você não deve lembrar mais dele, na verdade. São primos distantes. Enfim, ele arranjou uma bolsa na Brown University e vai ficar um tempo na nossa casa até que ele consiga encontrar uma república ou qualquer outro tipo de instalação, além de resolver as burocracias com a matrícula e tudo o mais. Ele recebeu um comunicado e teve que antecipar o vôo. Deve estar chegando lá em casa daqui a uma ou duas horas. Quero que o receba bem, entendido? Muito bem. – Enfatizou o “muito”. – Caso o contrário, quem não ficará bem por uma semana será você, mocinha.
- É O QUÊ? – Involuntariamente repeti a sentença dita por minha mãe segundos antes. – Não são nem duas da manhã e você quer que eu simplesmente largue o clube no horário de maior movimento? Onde está o senso de responsabilidade que você vive me ensinando?
- Vivia ensinando. Você nunca fez questão de aprender. Sendo assim, se vira, filha. Confio em você, ok? Agora tenho que desligar. Vejo você amanhã.
Bati o telefone contrariada e sai resmungando. Refiz o caminho em direção ao bar e tentei pensar em algo que pudesse me livrar do primo cafona e de milésimo grau. Eca de novo. Talvez devesse matá-lo com um tiro ou com golpes de faca. Era uma ótima opção, acho, mas levaria muito tempo para que eu conseguisse esconder as provas do crime e eu acabaria perdendo o horário de pico, que ia das três às cinco. M-e-r-d-a. Teria que falar com o Jake e torcer para que ele me liberasse de mais uma. Vamos lá, Kait. Você consegue.
Procurei pelo Jay – só eu chamava o Jake assim – e, para a minha infelicidade e desespero, não consegui encontrá-lo no piso interior da boate. Pelo visto, teria que fazer mais uma visitinha ao seu escritório. É, teria. Pedi para que o Richard segurasse as pontas enquanto eu subiria rapidamente e saí. Todavia, não foi preciso que subisse de fato até o escritório para que eu o encontrasse. Acabei me batendo com o Jake ainda no meio das escadas: enquanto eu subia, ele vinha descendo.
- Cansou de dançar? – Ele riu daquele jeito rouco e sexy. Eram nessas horas que eu me orgulhava e estufava o peito para dizer: eu já peguei cara muito gato.
- Er, não exatamente. – Respirei fundo e soltei todo o ar de vez, iniciando. - Vou ser sincera contigo, tá? Sei o quanto você é um bom patrão e não vejo porque mentir.
- Fala, vai.
- Um primo caipira meu conseguiu uma bolsa na Brown e recebeu um comunicado e blábláblá. Só sei que teve que antecipar a viagem e deve tá chegando dentro de... – Olhei para o relógio de pulso tentando contabilizar o tempo que ainda me restava. – Uma hora. Tenho que estar lá para recebê-lo ou você lerá uma notícia sobre o meu assassinato amanhã mesmo. – Conclui.
- Assassinato? Duvido. - Ele disse.
- Ah, Jay, libera só mais essa, vai... Por favor. É questão de necessidade. – Trabalhei duro e acho que consegui alcançar a minha expressão mais angelical naquele momento de desespero extremo.
- Não é sua mãe que está te matando, amor. Quem tá me matando é você, com essa pirraça.
Antes mesmo que pudesse reagir ou digerir as suas palavras, senti um dos braços musculosos do Jake envolver a minha cintura e me empurrar contra a parede com força enquanto a sua mão livre alcançava a minha coxa e apertava-a com firmeza. Os seus lábios tocaram a lateral do meu pescoço e a sua respiração quente e descompassada me deixou arrepiada. Desviei o rosto, tentando fugir das suas carícias.
- Pára, vai. – Percebi que a minha voz estava mais baixa que o normal, quase que um sussurro. – Você sabe que eu não posso.
- Mas, até onde eu saiba, também não sei que você não quer. Nem você mesma sabe... – Ele insistiu, voltando a deslizar os lábios pelo meu pescoço.
Subitamente, a porta que dava acesso ao escritório se abriu e uma funcionária novata surgiu. Nos afastamos e, pela cara da novata, ela ainda estava surpresa por ter visto uma cena como aquela. Pobre coitada, ainda não estava acostumada com o darkside local - e eu a entendia. A fama de malvado e durão do Jake corria pelos quatro cantos do Fantasy e eram poucos os funcionários que caiam no seu gosto. Na verdade, até onde eu sabia, eu era a única que conseguira durar. As outras foram usadas, abusadas, esquecidas e só. Aproveitei a deixa e me desvencilhei dos seus braços.
- Obrigada, Jay. Você é um anjo, e eu prometo que irei trabalhar para recuperar as horas que perderei por hoje. Brigada mesmo. Dei as costas, passei pela funcionária ainda espantada e saí pela grande porta de madeira. Passei no bar, peguei a bolsa com as chaves e deixei o local.  ­­  ­­ ­­

[...]

Entrei no carro e liguei o rádio deixando que a música enchesse o veículo.

­I was converted to the other side
­­From the day I'd gotten there
­­I met a girl who took me on a ride
­­I was young I had no cares
­­When I moved to California
­­California
(Lenny Kravitz – California)

Dei partida no automóvel e, enquanto batucava com a ponta dos dedos no volante, comecei a cantarolar com animação. Não que tivesse motivos para me empolgar naquele momento, mas era música. Fazer o que, né? Abri os vidros e senti o vento frio da noite bater em meu rosto e agitar os meus cabelos.
E foi assim, balançando a cabeça no ritmo da música, que eu esqueci – ainda que por poucos instantes – do meu problema cafona: um primo caipira perdido na cidade grande. Ew. Ainda bem que esqueci, inclusive. A idéia de dividir a casa com um sujeitinho brega poderia ter sido nojenta ao ponto de me fazer vomitar. Ew de novo.

Fim do capítulo O1 • Bad news